Dei uma palestra recentemente sobre a história da Igreja Católica – uma visão geral, uma espécie de passeio rápido. Em vez de transitar por muitas datas e eventos, concentrei-me na compreensão católica da história, contrastando-a com a visão secular, que é a visão que a maioria de nós, católicos ou não, assume ser o paradigma normativo.

Qual é essa visão secular? Que a jornada humana na Terra é de progresso e desenvolvimento. Faz sentido, de certa forma, para uma das principais características da vida humana, especialmente porque o Iluminismo é um óbvio progresso e aperfeiçoamento tecnológico e material, e expansão da nossa compreensão e experiência dos direitos humanos e das liberdades civis. Não é de surpreender que este tenha se tornado o nosso paradigma dominante, nas comparações entre passado e presente (a partir de Marx, sempre associado ao paradigma de classe e, mais recentemente, às lutas e conflitos de identidade).

Mas esse não é o paradigma católico. Sinceramente, o que posso fazer de melhor é citar essa passagem de Timothy O’Donnell:

É importante notar que a visão cristocêntrica da história é fundamentalmente diferente da ideologia progressista do homem. Aqueles que excluem a Encarnação da história humana pregam um evangelho diferente: o homem, por meio de sua contínua “iluminação”, poderá eventualmente até dar sentido ao sofrimento – ou até mesmo eliminá-lo. Mas, ao contrário, neste mundo caído sempre haverá pecado, tristeza e sofrimento, e somente por meio de Cristo esses mistérios encontram sentido. Cristo, o Príncipe da Paz, vira a história humana de cabeça para baixo ao derrotar o pecado e a morte com a Sua cruz, santificando o sofrimento.

E ainda Bento XVI, em Spe Salvi:

(…) os Padres da Igreja, como Eusébio e Agostinho, compreendiam Deus como que falando ao seu povo através da história, e não simplesmente pela história da Igreja propriamente dita. A ascensão e queda das nações deveriam ser entendidas em termos de Deus chamando seu povo para si mesmo.

Simultaneamente, há duas categorias que penetram sempre mais no centro da ideia de progresso: razão e liberdade. Aquele é sobretudo um progresso no crescente domínio da razão, sendo esta considerada obviamente um poder do bem e para o bem. O progresso é a superação de todas as dependências; é avanço para a liberdade perfeita. Também a liberdade é vista só como promessa, na qual o homem se realiza rumo à plenitude. Em ambos os conceitos – liberdade e razão – está presente um aspecto político. O reino da razão, de facto, é aguardado como a nova condição da humanidade feita totalmente livre. Todavia, as condições políticas deste reino da razão e da liberdade aparecem, à primeira vista, pouco definidas. Razão e liberdade parecem garantir por si mesmas, em virtude da sua intrínseca bondade, uma nova comunidade humana perfeita. Nos dois conceitos-chave de « razão » e « liberdade », tacitamente o pensamento coloca-se sempre em contraste com os vínculos da fé e da Igreja, como também com os vínculos dos ordenamentos estatais de então. Por isso, ambos os conceitos trazem em si um potencial revolucionário de enorme força explosiva.

A este respeito, pode-se aqui mencionar somente alguns indícios. Antes de mais, devemos perguntar-nos: o que é que significa verdadeiramente « progresso »; o que é que ele promete e o que é que não promete? No século XIX, já existia uma crítica à fé no progresso. No século XX, Teodoro W. Adorno formulou, de modo drástico, a problematicidade da fé no progresso: este, visto de perto, seria o progresso do bodoque à bomba atômica. Certamente, este é um lado do progresso que não se deve encobrir. Dito de outro modo: torna-se evidente a ambiguidade do progresso. Não há dúvida que este oferece novas potencialidades para o bem, mas abre também possibilidades abissais de mal – possibilidades que antes não existiam. Todos fomos testemunhas de como o progresso em mãos erradas possa tornar-se, e tornou-se realmente, um progresso terrível no mal. Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior (cf. Ef 3,16; 2 Cor 4,16), então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo.

E agora, aplicando isto especificamente à história da Igreja, a nossa postura em relação ao passado católico não pode ser, apenas, a de apontar o dedo e rir de quão ignorantes eles eram, e quão iluminados somos nós, hoje.

Não. Nosso paradigma é reconhecer que todos nós – passado, presente e futuro – compartilhamos uma postura comum: de joelhos diante da Cruz.

A visão católica de nossa própria história é de humildade e abertura. Podemos aprender e devemos aprender – é necessário! –, pois nossa fé, obviamente, está enraizada tanto na Revelação quanto na Tradição.

Contudo, podemos também considerá-lo sob outro aspecto.

Comprometer-se com o passado significa comprometer-se com seres humanos, que viviam em circunstâncias materiais e sociais, políticas e econômicas, bastante diferentes das nossas, mas que também eram, do início ao fim, seres humanos que nasceram, sofreram, lutaram, estavam em comunhão entre si e enfrentaram a finitude humana sob as mesmas estrelas misteriosas.

Ao conhecer suas tradições, modos e pensamentos, não faríamos melhor se tentássemos entender, em vez de escarnecer? Não seria melhor aprofundar o assunto e perguntar por que razões fizeram aquilo? O que os moveu? O que tenho em comum com essas motivações? O que faço, no presente, que atenda a essas mesmas necessidades? Minhas ações e escolhas fazem mais sentido, no final, do que as deles?

Em outras palavras, nossa reação instintiva a algum momento católico do passado pode ser: “Que maluquice!” E pode ter sido! Mas, ao considerar nossas próprias vidas, hoje em dia, podemos notar que há uma continuidade: “Para ser honesto, isso também é muito louco!”

Como já disse, o nosso papel não é apontar o dedo e rir, deleitando-nos com nossa superioridade. Não temos nada do que nos gabar.

Isso não quer dizer que o passado seja dourado, ossificado e preservado em âmbar para nossa devoção e imitação. O passado católico é uma dinâmica turbulenta que inclui momentos dignos de reverência e momentos dignos de crítica.

A história da Igreja pode ser que não seja devidamente compreendida pela definição secular de “progresso”, mas, certamente, possui a dinâmica da reforma embutida em si mesma. Essa é, de fato, a nossa história: primeiro, estabelece-se um pensamento ou uma prática que sejam fiéis ao Evangelho; depois, invariavelmente, vem o momento de desvio, de corrupção, exemplo não mais de amor, mas de orgulho e insensatez humanos. E é então que, rezando e discernindo, talvez se possa derrubar, sempre dolorosamente, o que se tornou ídolo; e assim começa-se de novo.

Sempre de novo: enraizando-nos na beleza e na verdade que brotaram no passado, e completamente abertos às necessidades do momento presente: discernindo, com a ajuda do Espírito Santo, o que cada momento exige.

Nunca, porém, sob a suposição arrogante de que nossa consciência desse Espírito represente qualquer tipo de “progresso” obrigatório, só porque se trata de um agora em relação a um passado que já era.