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A DIREÇÃO DA ALMA – São Boaventura

26 sexta-feira maio 2017

Posted by José Carlos Zamboni in Sem categoria

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I

Antes de tudo, minha alma, é necessário que do bom Deus faças uma idéia altíssima, piíssima e santíssima. A isto chegarás por meio de fé inabalável, meditação atenta e lúcida intuição repassada de admiração.

Altíssima será a idéia que fazes de Deus se fiel, piedosa e claramente crês, admiras e louvas seu poder imenso, que do nada criou tudo e tudo sustenta; sua sabedoria infinita que tudo dispõe e governa; sua justiça ilimitada que tudo julga e recompensa; e se, saindo de ti e voltando de novo e elevando-te acima de ti, com todas as verdades cantas com o profeta: “Regozijaram-se as filhas de Judá pelos teus juízos, Senhor, porque tu és Senhor altíssimo sobre toda a terra, tu és sobremaneira exaltado sobre todos os deuses” (Salmo 96, 8-9).

A idéia que fazes de Deus será piíssima se admiras, abraças e bendizes a sua imensa misericórdia que se mostrou sumamente benigna em tomar a nossa natureza humana e mortalidade, sumamente terna em suportar a cruz e a morte, sumamente liberal em mandar o Espírito Santo e instituir os Sacramentos, principalmente comunicando-se a si mesmo liberalissimamente no Sacramento do altar, para que de coração possas cantar as palavras do salmo: “Suave é o Senhor para com todos e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras” (Salmo 144, 9).

A idéia que fazes de Deus será santíssima se consideras, admiras e louvas a sua inefável santidade e o proclamas, com os bem-aventurados Serafins: “Santo, santo, santo!”

Santo quer dizer, em primeiro lugar, que possui Ele a santidade em grau tão elevado, e com tanta pureza, que Lhe é impossível querer ou aprovar coisa alguma que não seja santa.

Santo, em segundo lugar, por Ele amar a santidade nos outros, de forma que Lhe é impossível subtrair os dons da graça ou negar o prêmio da glória aos que na verdade conservam a santidade.

Santo, em terceiro lugar, por Ele aborrecer tanto o contrário da santidade, que Lhe é impossível não reprovar os pecados ou deixá-los impunes.

Se desta forma pensas de Deus, cantarás com Moisés, o legislador da Antiga lei: “Deus é fiel e sem nenhuma iniqüidade, justo e reto” (Deuteronômio, 32, 4).

II

Depois, dirige o teu olhar sobre a lei de Deus que te manda oferecer ao Altíssimo um coração humilde, ao Piíssimo um coração devoto, ao Santíssimo um coração ilibado.

Um coração humilde deves oferecer ao Altíssimo pela reverência no Espírito, pela obediência nas obras, pela honra nas palavras e nos atos, observando a apostólica regra e doutrina: “Faze tudo para a glória de Deus” (I Cor., 10, 31).

Um coração devoto deves oferecer ao Piíssimo, invocando-O em orações fervorosas, saboreando doçuras espirituais, dando muitas graças para que tua alma sempre mais a Deus “ascenda pelo deserto como uma varinha de fumo composto de aromas de mirra e de incenso” (Cântico dos Cânticos, 3, 6).

Um coração ilibado deves oferecer ao Esposo santíssimo de maneira que não reine em ti — nem nos sentidos, nem na vontade, nem no afeto — algum prazer em deleites desordenados, desejo de coisas terrenas, nenhum movimento de maldade interna, e assim, livre de toda a mácula de pecado, possas cantar com o salmista: “Seja imaculado o meu coração nas tuas justificações, para que não seja confundido” (Salmo 118, 80).

Reflete, pois, diligentemente e vê se tudo isto observaste desde a juventude. Se a consciência to afirmar, não o atribuas a ti mesmo, mas à mercê de Deus e rende-lhe graças. Se, porém, achares que uma ou mais vezes, num ponto ou em alguns, ou talvez em todos eles, faltaste grave ou levemente, por fraqueza, por ignorância ou com pleno conhecimento, procura reconciliar-te com Deus com “gemidos inexplicáveis” (Rom. 8, 26) e, para Lhe mostrar a emenda, reveste-te do Espírito de penitência, para que possas cantar com o salmista penitente: “Porque preparado estou para os açoites, e a minha dor está sempre diante de mim” (Salmo 37, 18).

III

A dor da alma, porém, deve ter dois companheiros para que a purifiquem e aplaquem a Deus, a saber: o temor do juízo divino e o ardor de interno desejo, afim de que recuperes pelo temor um coração humilde, pelo desejo um coração devoto e pela contrição um coração ilibado.

Teme, pois, os juízos divinos que são “um abismo profundo” (Salmo 35, 7). Teme, repito, teme muito para que, embora de algum modo penitente, não desagrades ainda a Deus; teme mais, para que depois não recomeces a ofender a Deus; teme muitíssimo, para que no fim não te afastes de Deus, carecendo sempre de luz, ardendo sempre no fogo, jamais livre do verme. Somente uma vida de verdadeira penitência e uma morte na graça da perseverança pode preservar-te desta infelicidade. Canta, pois, com o profeta: “Trespassa com o teu temor a minha carne, porque temos os teus juízos” (Salmo 118, 120).

Arrepende-te e tem cuidado por causa dos pecados cometidos. Arrepende-te, aconselho, arrepende-te muito, porque por eles aniquilaste todo o bem que de Deus recebeste [Nota do tradutor: “Trata-se do pecado mortal, que destrói todos os dons sobrenaturais.”]; arrepende-te mais porque ofendeste a Cristo que por ti nasceu e foi crucificado; arrepende-te muitíssimo porque desprezaste a Deus, cuja majestade desonraste transgredindo as suas leis, cuja verdade negaste, cuja bondade afrontaste. Pelo pecado desonraste, desfiguraste e transtornaste toda a criação; porque pela rebeldia contra os divinos estatutos, mandamentos e juízos, abusaste de todas as coisas que, segundo a vontade de Deus, te deveriam servir: as criaturas, os merecimentos alcançados, as misericórdias de Deus, os dons gratuitamente outorgados, e o prêmio prometido.

Depois de atentamente considerar tudo isto, toma luto como por teu filho único, chora amargamente (Jer. 6, 26); Faze correr uma como que corrente de lágrimas de dia e de noite; não te dês descanso algum nem se cale a menina dos teus olhos (Lament. 2, 13).

Deseja, contudo, os dons divinos, elevando-te, pela chama do divino amor, até Deus, o qual tão pacientemente te suportou nos teus pecados, tão longanimemente esperou, tão misericordiosamente te reconduziu à penitência, concedendo-te o perdão, infundindo-te a graça, prometendo-te a coroa, enquanto de tua parte Lhe ofertaste — ou antes d’Ele recebeste para Lhe ofertar — o sacrifício de um Espírito atribulado, de um coração contrito e humilhado (Salmo 50, 19) por meio de sentida compunção, confissão sincera e satisfação condigna.

Deseja muito a benevolência divina por uma larga comunicação do Espírito Santo, deseja mais a semelhança com Deus por uma imitação exata de Cristo crucificado, deseja muitíssimo a posse de Deus por uma visão clara do Eterno Padre, para que na verdade cantes com o Profeta: “A minha alma arde em sede por Deus forte e vivo; quando irei e aparecerei diante da face de Deus?” (Salmo 41, 3).

IV

Ora, para conservar em ti este espírito de temor, de dor e de desejo, exerce-te externamente numa perfeita modéstia, justiça e piedade, afim de que, segundo escreve o Apóstolo, “renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivas sóbria, justa e piedosamente neste século” (Tito, 2, 12).

Exerce-te numa perfeita modéstia para que, segundo a doutrina do Apóstolo, “a tua modéstia seja conhecida por todos os homens” (Filipenses, 4, 5). Exerce-te primeiro na modéstia da parcimônia no comer e vestir, no dormir e vigiar, no recreio e no trabalho, não excedendo a medida em coisa alguma.

Depois exerce-te na modéstia da disciplina, com moderação no silêncio e no falar, na tristeza e na alegria, na clemência e no rigor, conforme as circunstâncias o exigem e a sã razão o prescreve.

Finalmente, exerce-te na modéstia da civilidade, regulando, ordenando e compondo as ações, os movimentos, os gestos, as vestes, os membros e os sentidos, conforme o requer a educação moral e o costume na ordem, para que merecidamente pertenças ao número daqueles aos quais o Apóstolo diz: “Faça-se tudo entre vós com decência e ordem” (I Cor. 14, 40).

Exerce-te também na justiça para que te sejam aplicáveis as palavras do Profeta: “Reina por meio da verdade, da mansidão e da justiça” (Salmo 44, 5).

Na justiça íntegra por zelo pela honra divina, por observância da lei de Deus e por desejo da salvação do próximo.

Na justiça regulada pela obediência aos superiores, pela sociabilidade aos iguais, pela punição das faltas dos inferiores.

Na justiça perfeita, de forma que aproves toda a verdade, favoreças a bondade, resistas à maldade tanto no Espírito, como nas palavras e obras, não fazendo a ninguém o que não queres que te façam, não negando a ninguém o que dos outros desejas, para que imites com perfeição aqueles a quem foi dito: “Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mateus 5, 20).

Finalmente, exerce-te na piedade, porque, como diz o Apóstolo, “a piedade é útil para tudo, porque tem a promessa da vida presente e futura” (I Tim. 4, 8).

Exerce-te na piedade do culto divino recitando as horas canônicas atenta, devota e reverentemente, acusando e chorando as faltas quotidianas, recebendo a seu tempo o Santíssimo Sacramento e ouvindo todos os dias a santa missa.

Na piedade, por meio da salvação das almas, auxiliando ora por freqüentes orações, ora por instrutivas palavras, ora pelo estímulo do exemplo, para que quem ouve diga: “Vem!” (Apoc. 22, 17). Isto, porém, cumpre fazer com tanta prudência, que a própria alma não sofra prejuízo.

Na piedade, por meio do alívio das necessidades corporais, suportando com paciência, consolando amigavelmente, ajudando com humildade, alegria e misericórdia, para desta forma cumprires o mandamento divino enunciado pelo Apóstolo: “Carregai os fardos uns dos outros, e desta maneira cumprireis a lei de Cristo” (Gal. 6, 2).

Para praticares tudo isto, o meio melhor, eu o creio, é a lembrança do Crucificado, afim de que o teu Dileto, como um ramalhete de mirra (Cântico dos Cânticos, 1, 12), descanse sempre junto ao teu coração.

Isto te queira prestar Aquele que é bendito por todos os séculos dos séculos. Amém.

(Traduzido do latim por um frade da Ordem Franciscana  e editado pela Editora Vozes, Petrópolis, 1921. Segundo o prólogo do códice, conservado no Vaticano, São Boaventura escreveu este tratado para a princesa Branca, filha de São Luiz, rei da França, casada com Fernando, filho de Afonso X da Espanha.)

POBRES FILHOS DE UMA SOCIEDADE QUE JÁ NÃO RECONHECE O MAL – Dom Luigi Negri

24 quarta-feira maio 2017

Posted by José Carlos Zamboni in Sem categoria

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Resultado de imagem para dom luigi negriQueridos filhos,

Quero chamá-los assim, mesmo que não os conheça. Mas, nas longas horas de insônia que seguiram ao anúncio deste terrível ataque, em que muitos de vocês já morreram e muitos ficaram feridos, eu os senti ligados a mim de uma forma especial.

Vocês vieram ao mundo, muitas vezes sem ser desejados, e ninguém lhes deu as “razões adequadas para viver”, como dizia o grande Bernanos a seus contemporâneos adultos. Vocês foram entregues ao mundo sob dois grandes princípios: que podiam fazer o que quisessem, pois  cada desejo de vocês é um direito; e a importância de se ter o maior número possível de bens de consumo.

Vocês cresceram assim, acreditando que tivessem tudo. E quando vocês tinham algum problema existencial – antigamente se dizia assim – e o comunicavam aos seus pais, aos seus “adultos”, logo tratavam de agendar um psicanalista para resolver o problema. Eles só se esqueciam de dizer a vocês que existia o Mal. E o Mal é uma pessoa, não um conjunto de forças e energias. É uma pessoa. Esta pessoa estava escondida ali, durante o concerto. E a terrível asa  da morte, que a acompanha, se apoderou de vocês.

Meus filhos, vocês morreram assim, quase sem razões, do mesmo jeito como viveram. Não se preocupem, afinal ninguém os ajudou a viver; mas farão certamente um belo funeral, no qual se expressará ao máximo esta oca retórica laicista, com todas as autoridades  presentes – incluindo, infelizmente, até os religiosos –, todos de pé, em silêncio. Naturalmente, será um funeral em espaço aberto, mesmo para os que tem fé, já que hoje em dia o único templo é a natureza.

Robespierre riria de tudo isso, pois nem mesmo ele teve essa fantasia. Aliás, nas igrejas não se fazem mais funerais, pois, como diz agudamente o cardeal Roberto Sarah, agora nas igrejas católicas só se celebram os funerais de Deus. Os “adultos” não se esquecerão de colocar nas calçadas os seus bichinhos de pelúcia, as memórias de sua infância, de sua primeira juventude. E depois tudo será arquivado na retórica daqueles que não têm nada a dizer sobre tragédias, pois nada tem nada a dizer sobre a vida.

Espero que, nesse momento, pelo menos alguns destes gurus – culturais, políticos e religiosos – contenham as palavras e não nos atropelem com os discursos habituais,  dizendo que “não se trata de uma guerra de religião”, que “a religião é, por natureza, aberta ao diálogo e à compreensão”. Espero que haja um instante silencioso de respeito. Antes de tudo, pelas suas vidas, ceifadas pelo ódio do demônio, mas também pela verdade. Pois os “adultos” deviam, antes de tudo, ter respeito pela verdade. Podem não servi-la, mas devem ter respeito por ela.

Seja como for, eu que sou um velho bispo que ainda crê em Deus, em Cristo e na Igreja, vou celebrar a missa por  todos vocês no dia do seu enterro, para que do outro lado – quaisquer que tenham  sido suas práticas religiosas – vocês  encontrem o rosto querido de Nossa Senhora, e que, apertando vocês em seu abraço, os console desta vida desperdiçada, não por culpa de vocês, mas por culpa dos seus “adultos”.

(Dom Luigi Negri é arcebispo de Ferrara, Itália. Texto publicado no dia 23 de maio de 2017, no jornal italiano Nova Bússola Cotidiana, a propósito do ato terrorista ocorrido na véspera, na Inglaterra. http://lanuovabq.it/it/articoli-poveri-figli-della-societa-che-non-riconosce-il-male-19937.htm)

COMO SÃO BENTO PARTIU UM VASO DE VINHO ENVENENADO – São Gregório Magno

18 quinta-feira maio 2017

Posted by José Carlos Zamboni in Sem categoria

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Resultado de imagem para san benedetto vino avvelenatoCom a divulgação da fama de sua exímia vida monacal, ia ficando célebre o nome de Bento.

Ora, havia a não grande distância um mosteiro cujo abade falecera. Toda a comunidade foi ter então com o venerável Bento, e instantemente pediu-lhe que ficasse à sua frente. O santo recusou por muito tempo, predizendo que não poderia harmonizar os seus costumes com os daqueles irmãos.

Finalmente, vencido pelos rogos, cedeu. Como, porém, fazia prevalecer naquele mosteiro a observância da vida regular e a ninguém permitia, como antes, que se desviasse do caminho monástico por ações ilícitas, os irmãos, que ele aceitara dirigir, encheram-se de fúria e puseram-se primeiro a acusar a si mesmos por terem pedido a Bento que os regesse; sua vida tortuosa ia em oposição à reta norma do abade.

Como viam que, sob tal abade, o ilícito já não lhes era permitido, e como lhes doía abandonar os antigos hábitos, achando eles dura a obrigação de meditar coisas novas na sua mente velha, alguns deles — já que aos maus é sempre pesada a vida dos bons — tramaram a morte do abade, e, depois de decisão conjunta, deitaram-lhe veneno ao vinho.

Quando apresentaram ao Pai, sentado à mesa, o copo da bebida envenenada para ser abençoado segundo o costume da casa, Bento estendeu a mão e fez o sinal da cruz. A este gesto, o vaso, que estava distante, estalou e fez-se em pedaços, como se naquela taça de morte tivesse dado, em vez da cruz, uma pedrada.

Compreendeu logo o homem de Deus que o copo contivera uma bebida mortal, pois não pudera suportar o sinal da vida. Levantou-se no mesmo instante, e, com o rosto plácido, a mente tranqüila, convocou os irmãos, aos quais assim falou:

— Deus tenha compaixão de vós, irmãos. Porque me quisestes fazer isto? Não vos disse eu previamente que não se harmonizariam os vossos e os meus costumes? Ide, e procurai para vós um Pai conforme à vossa vida; depois disto, já não me podereis reter.

Voltou, então, ao recanto da sua amada solidão, e sozinho, sob os olhares do Contemplador Supremo, pôs-se a viver consigo mesmo.

(São Gregório Magno, Vida de São Bento. Em http://cristianismo.org.br/vidabento.htm)

COMO O PÃO SE TRANSFORMA EM JESUS – Padre Leo Trese

10 quarta-feira maio 2017

Posted by José Carlos Zamboni in Sem categoria

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Resultado de imagem para ultima cena giottoQue aconteceu exatamente quando Jesus disse na Última Ceia (e os sacerdotes esta manhã na Missa): “Isto é o meu corpo” sobre o pão, e “Este é o cálice do meu sangue” sobre o vinho?

Cremos que a substância do pão deixou de existir completa e totalmente, e que a substância do próprio Corpo de Cristo substituiu a substância do pão, que ficou aniquilada. Cremos também que Jesus, pelo seu poder onipotente como Deus, preservou as aparências do pão e do vinho, apesar do fato de as respectivas substâncias terem desaparecido.

Por “aparências” de pão e de vinho entendemos todas as formas externas e acidentais que de um modo ou de outro podem ser percebidas pelos sentidos da vista, do tato, do paladar, do ouvido e do olfato. A Sagrada Eucaristia ainda parece pão e vinho, ainda sabe e cheira a pão e vinho, ainda é sensível ao tato como pão e vinho, e, se a partíssemos ou derramássemos, soariam a pão e vinho. Inclusive se a submetêssemos a um exame microscópico, eletrônico ou radiológíco, só poderíamos perceber nela as qualidades do pão e do vinho.

Com efeito, a observação humana só pode obter a aparência externa de qualquer coisa. A sua configuração, a sua reação a determinadas circunstâncias, as leis físicas a que parece obedecer, são as únicas questões que a ciência pode investigar. Mas a substância de uma coisa, o que lhe está subjacente, a substância como substância, está fora do alcance dos sentidos e dos instrumentos humanos.

Hoje em dia, a ciência da física nuclear teoriza que toda matéria é uma forma de energia; que toda matéria se compõe de partículas em movimento, carregadas eletricamente. A diferença entre um pedaço de madeira e um pedaço de ferro é simplesmente a diferença entre o número, a velocidade e a direção das partículas carregadas eletricamente que compõem os dois materiais. Mas se o físico consegue fotografar com uma câmara eletrônica algumas dessas partículas, ainda continua manejando aparências. A substância como substância, aquilo que faz uma coisa ser o que é e não outra coisa, continua a estar fora do alcance dos cientistas.

Todo este tema da relação da “substância” (o que uma coisa é) com os “acidentes” (as qualidades perceptíveis de uma coisa) é uma questão filosófica, e não podemos estender-nos aqui na sua análise. Basta-nos saber, como sabemos, que, pelas palavras da consagração, a substância do corpo de Cristo substitui a substância do pão, e que a substância do sangue de Cristo substitui a substância do vinho, ao mesmo tempo que permanecem as aparências do pão e do vinho.

Evidentemente, é um milagre; um milagre contínuo, realizado centenas de milhares de vezes por dia pelo poder infinito de Deus. A bem dizer, é um duplo milagre: é o milagre da transformação do pão e do vinho em Jesus Cristo; e o milagre adicional pelo qual Deus mantém as aparências do pão e do vinho, ainda que a substância subjacente tenha desaparecido, como se o rosto de uma pessoa permanecesse num espelho depois de esta se ter retirado.

A mudança operada pelas palavras da consagração é de um tipo especial, e a Igreja teve de cunhar um termo especial para a designar: transubstanciação, que, literalmente, significa a passagem de uma substância para outra; neste caso, uma singular espécie de mudança.

Na vida ordinária, estamos acostumados a muitas espécies de mudanças. Às vezes, são mudanças apenas aparentes, como quando a água gela e se torna sólida, ou um pedaço de barro é modelado e se torna um vaso. Vemos também mudanças que afetam tanto a substância como os acidentes, como quando o vinho se transforma em vinagre, ou o carvão sob pressão se torna um diamante. Tem havido mudanças milagrosas deste gênero, como a que Jesus operou em Caná, mudando a água em vinho.

No entanto, em lugar nenhum da ordem natural e, pelo que conhecemos, também na ordem sobrenatural, se produzem mudanças semelhantes à que se opera no pão e no vinho pelas palavras da consagração; uma mudança de substância sem mudança de aparências. Por essa razão, a palavra “transubstanciação” se aplica exclusivamente a esse milagre quotidiano.

Ainda que, pelas palavras da consagração, o corpo de Jesus se torne presente sob as aparências do pão, e o seu sangue sob as aparências do vinho, sabemos que a Pessoa de Jesus, ressuscitado dentre os mortos, não pode ser dividida. Onde está o seu corpo, deve estar também o seu sangue; e onde estão o seu corpo e o seu sangue, devem estar também a sua alma e a sua natureza divina, a que estão unidos o seu corpo e o seu sangue. Do mesmo modo, onde está o sangue de Jesus, deve estar Jesus inteiro. Em conseqüência, pelas palavras “Isto é o meu corpo”, torna-se presente não só o corpo de Jesus, como também — pelo que os teólogos chamam “concomitância” , quer dizer, por força da sua unidade de Pessoa — o seu sangue, alma e divindade. O mesmo ocorre na consagração do vinho.

É por esta razão que não é necessário receber a Comunhão sob as duas espécies de pão e vinho, embora se possa fazê-lo nos casos previstos pelas normas litúrgicas. Se a recebemos sob qualquer das duas, seja pão, seja vinho, recebemos Jesus todo, completo e inteiro.

Jesus Cristo, todo e inteiro, está presente na Sagrada Eucaristia sob as aparências do pão e do vinho. Está presente simultaneamente em cada uma das hóstias consagradas de cada altar de todo o mundo e em cada cálice consagrado onde quer que se celebre a Santa Missa. Mais ainda, Jesus todo e inteiro está presente em cada partícula consagrada e em cada gota de vinho consagrado. Se a sagrada hóstia se divide — como o sacerdote faz durante a Missa —, Jesus está totalmente presente em cada uma das partes. Se caísse ao chão uma partícula da hóstia consagrada ou se derramasse uma gota do cálice, Jesus estaria presente todo e inteiro nessa partícula e nessa gota.

É por isso que os panos de altar têm que ser lavados com a máxima reverência, porque poderia haver, aderida a eles, uma partícula das Sagradas Espécies. Estes panos de altar compreendem o corporal, sobre o qual se coloca a patena com a hóstia e o cálice consagrados durante a Missa; a pala, o pano quadrado que cobre o cálice durante a Missa; e o sanguíneo, o pano com que o sacerdote enxuga os lábios depois de consumir o precioso Sangue e seca os dedos e o cálice depois de lavar o cálice com vinho e água, ou só com água.

Jesus, evidentemente, não deixa o seu lugar no céu, “à direita do Pai”, para se tornar presente na Sagrada Eucaristia. Permanece no céu e está no altar. Quem se faz presente sob as aparências do pão e do vinho é o corpo glorificado de Jesus, o seu corpo tal como está no céu.

Na Sagrada Eucaristia, Jesus está presente tal como é no tempo dessa presença. Na Última Ceia, por exemplo, foi o corpo “passível” de Jesus (quer dizer, ainda mortal) que se tornou presente quando pronunciou as palavras da consagração, pois ainda não tinha morrido. Se os Apóstolos tivessem celebrado Missa naquelas horas em que Jesus permaneceu no sepulcro, o que se teria tornado presente seria o seu corpo morto; sob as aparências do pão teria estado o seu corpo sem o sangue, e sob as aparências do vinho, o seu sangue sem o corpo, pois este estava empapando o solo do Calvário. Teria estado presente também a sua natureza divina, visto que corpo e sangue estão inseparavelmente unidos ao Filho; mas teria estado ausente a alma, que se achava no limbo.

A presença de Jesus na Eucaristia — sob dimensões tão pequenas e em tantos lugares ao mesmo tempo — parece suscitar duas aparentes dificuldades: 1. Como pode um corpo humano estar presente num espaço tão pequeno? 2. Como pode um corpo humano estar em vários lugares ao mesmo tempo?

Estas dificuldades, é claro, são apenas aparentes. Deus assim o fez; portanto, pode ser feito. Deve-se recordar que Deus é o autor da natureza, o amo e o senhor da Criação. As leis físicas do universo foram estabelecidas por Deus, e Ele pode suspender a sua ação se assim o quiser, sem que o seu poder infinito tenha que fazer nenhum esforço.

É verdade que, segundo a experiência humana, um corpo deve ter determinada “extensão”, isto é, deve ocupar determinado espaço. Segundo a nossa experiência, um corpo deve estar num só lugar de cada vez. A multilocação (estar em vários lugares ao mesmo tempo) é algo desconhecido para nós. Pode-se, pois, afirmar que um corpo sem extensão no espaço, ou que ocupe vários lugares ao mesmo tempo, é um impossível físico; isto é, impossível para as leis físicas. Mas estes fenômenos não são impossíveis metafisicamente; quer dizer, não há contradição inerente na idéia de um corpo sem extensão ou na idéia da multilocação. Uma contradição inerente os tornaria absolutamente impossíveis; estaria neste caso, por exemplo, a idéia de um círculo quadrado, que é uma contradição nos seus próprios termos.

Talvez isto nos arraste excessivamente para o campo da filosofia. Mas os pontos que nos interessa deixar claro são: primeiro, que Jesus não está presente na Eucaristia em miniatura. Está ali na plenitude da sua Pessoa glorificada, de uma maneira espiritualizada, sem extensão nem espaço. Não tem altura, largura ou espessura.

O segundo ponto é que Jesus não se multiplica: não passa a haver muitos Jesuses; também não se divide entre as diferentes hóstias. Há um só Jesus, completo e indiviso. A sua multilocação não é resultado de multiplicações ou divisões, mas da suspensão da lei do espaço relativamente ao seu sagrado corpo. É como se estivesse num lugar, e todas as partes do espaço fossem atraídas para Ele. É fácil ver a razão pela qual a Eucaristia é chamada — e é — o sacramento da unidade. Quando comungamos — nós e os nossos companheiros de comunhão do mundo inteiro —, estamos onde Ele está. O espaço se dissolveu para nós, e todos juntos somos um em Cristo.

Quanto tempo permanece Jesus na Sagrada Eucaristia? O tempo que permanecem as espécies do pão e do vinho. Se um fogo repentino destruísse as hóstias consagradas do sacrário, Jesus não se queimaria. As aparências do pão e do vinho se transformariam em cinzas, mas Jesus já não estaria lá. Quando, depois de comungarmos, o nosso processo digestivo destrói as aparências do pão, Jesus já não permanece corporalmente em nós; só fica a sua graça.

(Capítulo do livro A fé explicada, do padre jesuíta americano Leo Trese, p. 266-270. A obra foi publicada no Brasil pela editora Quadrante. Leo Trese — 1902-1070 — foi um dos padres mais lidos nos EUA, através de livros e artigos jornalísticos largamente difundidos pelo país, graças ao humor e à simplicidade com que expunha os aspectos mais complexos da doutrina católica).

A MEDITAÇÃO CATÓLICA – Irmã Lays Gonçalves de Souza

06 sábado maio 2017

Posted by José Carlos Zamboni in Sem categoria

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Resultado de imagem para giovanni paolo II in preghieraA meditação constitui o segundo grau da oração, e é onde as almas “percebem melhor os chamamentos e convites diversos que faz o Senhor”.[1] Ensina-nos a teologia que a meditação “consiste na aplicação racional da mente a uma verdade sobrenatural a fim de nos convencermos dela e nos mover a amá-la e praticá-la com a ajuda da graça”.[2] Neste grau será essencialmente utilizada a razão, sem a qual a meditação não poderá efetivar-se. Por isso, proclamava o Apóstolo: “orarei com o espírito, mas orarei também com o entendimento; cantarei com o espírito, mas cantarei também com o entendimento” (I Cor 14, 15).

A meditação tem duas finalidades: uma intelectual e outra afetiva. A primeira é comparável a uma muralha inexpugnável que nos concede convicções firmes e enérgicas contra os inimigos da alma. Em outras palavras, é ela que, ao desaparecer a felicidade sensível e momentânea, cria raízes na alma e não deixa que, sem resistência, nos entreguemos ao menor sopro das paixões. “Não se pode construir uma casa sólida sobre a areia movediça do sentimento; é preciso um fundamento pétreo e inamovível das convicções profundamente arraigadas na inteligência”.[3]

Com efeito, é preciso que a meditação esteja acompanhada de nossos afetos, que é a parte principal da meditação:

Esta começa propriamente quando a alma inflamada com a verdade sobrenatural que o entendimento convencido lhe apresenta, prorrompe em afetos e atos de amor a Deus, com quem estabelece um contato íntimo e profundo […].[4]

Esta oração é um dom particularíssimo de Deus no qual as almas são introduzidas e inebriadas no amor divino. Ela é incompatível com o pecado, e os homens que não meditam, facilmente se deixam levar pelo ímpeto das paixões desordenadas. “Com os demais exercícios de piedade, a alma pode continuar vivendo no pecado, mas, com a oração mental bem feita, não poderá permanecer nele muito tempo: ou deixará a oração ou deixará o pecado”.[5] À alma absorta e embevecida não resta ocasião para pensar em si mesma, pois só se ocupa do que diz respeito ao Amado, como afirma São Bernardo: “rara é essa hora, e o tempo que nela se gasta é sempre breve, pois, por mais dilatado que seja, parece um sopro”.[6]

“O amor é fruto da oração fundada na humildade”.[13] Por ser esta forma de oração tão sublime, devemos pedi-la com verdadeira submissão, restituindo a Deus todos os benefícios que por meio dela recebemos.

Esse método de oração deve ser assíduo e perseverante. A alma que procura levar uma vida rumo à perfeição, entregando-se inteiramente ao apostolado, mas desprezando a oração mental, longe está da brisa da santidade, afirmam os teólogos. Continua o Doutor Melífluo:

Eu, por minhas forças, não posso chegar a esse amor, a essa união e contemplação tão levantada; só peço que Ele ma conceda a mim. Só o Senhor por sua bondade e gratuita liberalidade nos há-de levantar a este ósculo de seus divinos lábios, a esta altíssima oração e contemplação.[7]

Notas

[7] SANTA TERESA DE JESUS. Castelo interior ou Moradas. Op.cit. p.42.

[8] ROYO MARÍN. La oración del cristiano. Op. cit. p. 26. (Tradução da autora).

[9] Id. Teología de la perfección cristiana. Op. cit. p. 662.(Tradução da autora).

[10] Loc. cit. (Tradução da autora).

[11] Ibid. p.663. (Tradução da autora).

[12] SÃO BERNARDO, apud RODRIGUES, Afonso. Op. cit. p. 19.

[13] SANTA TERESA DE JESUS. Livro da vida. Op. cit. p. 73.

[14] SÃO BERNARDO, apud RODRIGUES, Afonso. Op. cit. p. 23.

(Este texto é parte do ensaio “A sublime escala da oração”, sobre os graus da oração católica, publicado na íntegra em http://ifte.blog.arautos.org/2016/02/a-sublime-escala-da-oracao/)

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