Nesta mudança de época que estamos vivendo, tanto na sociedade como na Igreja, não é fácil interpretar o que está acontecendo. As notícias podem ser aparentemente contraditórias e isso aumenta a confusão.
A primeira notícia, se assim se pode chamar, desta semana é que o Papa não recebeu Biden no Vaticano. Vários meios de comunicação social disseram que a diplomacia americana teria pedido essa audiência, que incluiria a presença na Santa Missa na capela da Casa Santa Marta, presidida pelo Pontífice. Biden receberia a comunhão das mãos de um dos sacerdotes concelebrantes, mas na presença do Santo Padre. O Vaticano, consciente do escândalo monumental que ocorreria, rejeitou a ideia e, como consequência, Biden nem sequer foi a Roma para saudar o Papa. Não há uma confirmação oficial deste rumor, mas é normal que não haja confirmação oficial, devido à delicadeza do assunto.
Quase ao mesmo tempo da presença do presidente americano na Europa, realizou-se a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Norte-Americana, na qual se debateu precisamente se era conveniente ou não fazer um documento sobre a possibilidade de os políticos que aprovam o aborto poderem receber a comunhão.
O debate foi tão intenso que o presidente do Episcopado, Monsenhor Gomez, teve de conter a tensão, recordando que os apóstolos também discutiram acaloradamente, mas não quebraram a comunhão entre si por essa razão. No final, foi decidido elaborar este documento — por uma esmagadora maioria de 168 a 55 —, que permanece sob a tutela da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé, e que, em caso algum, por vontade expressa do Vaticano, poderá forçar os bispos a aplicá-lo nas suas dioceses. A vitória dos bispos conservadores nos Estados Unidos foi, em todo o caso, muito maior do que o esperado.
É fácil imaginar o que teria acontecido se, no meio do debate dos bispos americanos sobre a comunhão dos políticos pró-aborto, o Papa tivesse dado a comunhão ao principal deles, o próprio Presidente Biden. Felizmente, isso não aconteceu. Mas o que, para mim e para muitos outros, foi um gesto de bom senso e coerência da parte do Pontífice, perturbou aqueles que são a favor de permitir que os políticos pró-aborto recebam a comunhão. Antes da reunião dos bispos americanos, mesmo o poderoso New York Times entrou na controvérsia, com o apoio de um jesuíta muito próximo do Papa, como o padre Spadaro, argumentando a favor de que Biden e companhia fossem autorizados a receber a comunhão. A campanha não só não mudou a opinião do Episcopado, como também não mudou a decisão do Papa, que no final não recebeu Biden.
Esse mal-estar contra o Pontífice cristalizou-se num duro artigo de um dos líderes da esquerda eclesiástica, Alberto Melloni. Desconhecido do público em geral, Melloni é o líder da “Escola de Bolonha”, uma corrente teológica que sustenta que o Concílio Vaticano II deve ser interpretado em termos de uma ruptura com tudo o que veio antes (corrente à qual, de alguma forma, pertence uma figura tão importante como o Cardeal Tagle).
Melloni, cujo artigo foi publicado em La Repubblica, o órgão oficial da esquerda clerical e o jornal mais importante de Itália — como disse McLuhan, o meio é a mensagem —, acusa o Papa de trair as suas promessas de renovação e desiludir aqueles que, no início do seu Pontificado, acreditaram nele. A aposta ecológica do Papa e o seu programa de sinodalidade não foram suficientes para satisfazer os protestantes católicos.
Entre as críticas que Melloni faz ao Santo Padre está o recente decreto que limita a dez anos as posições de chefia dos movimentos de espiritualidade — afirma que isto vai contra o direito dos leigos —, a modificação do Código de Direito Canónico (que excomunga aqueles que tentam ordenar sacerdotisas), e, acima de tudo, o tratamento dado ao Cardeal Marx. Melloni, e com ele a esquerda eclesiástica, sustenta que Marx estava, de fato, pedindo ao Papa que assumisse a sua parte de culpa e que também ele deveria demitir-se, razão pela qual o Pontífice a rejeitou.
Um jornalista conservador, Antonio Socci, vai ao ponto de descrever a relação entre o Papa e aqueles que, até agora, têm sido os seus mais firmes defensores, como um “divórcio”; e considera que o Santo Padre se encontra, neste momento, numa espécie de “terra de ninguém”, sem qualquer apoio de qualquer um dos lados.
Só Deus sabe o que pode acontecer. Mas o fato de sabermos que Deus sabe já é um motivo de paz e esperança. Confiamos Nele, e a nossa confiança não será desapontada.
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