O problema do mal sempre inquietou muito os céticos, os que não aceitam a existência de Deus, ou O aceitam com revolta gnóstica. Se Deus existisse (ou se, existindo, fosse perfeito), jamais permitiria o mal.

Santo Agostinho é de fundamental valia na compreensão desse mistério, “o mistério da iniquidade”, nas palavras de São Paulo. Santo Agostinho afirma que Deus, impossibilitado de criar o mal — pois da absoluta bondade não poderia sair nada de maligno —, o permite para dele tirar um bem maior.

Haverá bem maior do que a salvação eterna? A mística italiana Maria Valtorta disse, certa vez, algo assombroso sobre o assunto, que de certa forma complementa a verdade expressa pelo Bispo de Hipona: se Deus eliminasse o mal da face da terra, o homem se esqueceria inteiramente Dele.

De fato, quem deixaria de buscar os prazeres mais intensos — no sexo, nas drogas ou na comida —, se não tivessem consequências desastrosas, se não produzissem os males das doenças venéreas, da dependência química ou da obesidade mórbida? Quem se ajoelharia para rezar, se a vida fosse um gozo perene e a própria morte chegasse mansamente, como um interruptor acionado de leve para apagar a luz?

Pelo que conhecemos do ser humano (ou seja, de nós próprios), Deus não faria falta alguma nesse mundo perfeito e autossuficiente. E o esquecimento de Deus seria, inevitavelmente, o caminho mais curto para o inferno. A maioria das pessoas certamente se perderia para todo o sempre, depois de toda uma vida entregue ao deleite permanente.

Donde essa necessidade paradoxal do mal, “enquanto ainda se disser hoje” (para usar o adverbio com que a Carta aos Hebreus designa o tempo, em contraposição à eternidade).

O saber, no hoje do tempo, que o mal — o mal involuntário — é aliado dos homens na luta pela salvação da alma, dá mais condições à pessoa humana de aceitar mais pacientemente as doenças, as pestes, as guerras, as dores, as tragédias pessoais ou históricas etc.

O mal, permitido por Deus, colabora portanto para a salvação do homem. Isto, evidentemente, não estava dos planos do demônio.