Se o sentido da história fosse evidente, já não se falaria tanto disso. Não se vê muito bem qual poderia ser o sentido da série de guerras, de reinos que se sucedem, o sentido desta marcha através da caducidade de tudo. Segundo São Tomás, um fator que aumenta o sentido de instabilidade é o afã de novidades, característico dos homens: “Buscam o novo e tiram o velho”. Não obstante, os homens seguem buscando um sentido. Pois bem, esta busca de um sentido dos acontecimentos históricos pressupõe uma visão global da história. Sem ela há que dizer com Eclesiastes I, 4-9:

“O sol se levanta, o sol se deita, apressando-se a voltar ao seu lugar e é lá que ele se levanta. O vento sopra em direção ao sul, gira para o norte, e girando e girando vai o vento em suas voltas. Todos os rios correm para o mar e, contudo, o mar nunca se enche: embora chegando ao fim do seu percurso, os rios continuam a correr. Todas as palavras estão gastas e ninguém pode mais falar. O olho não se sacia de ver, nem o ouvido se farta de ouvir. O que foi será, o que se fez, se tornará a fazer: nada há de novo debaixo do sol”.

Sem uma visão global e um enquadramento, não se pode nem sequer falar de um sentido do que sucede no tempo. Por exemplo, na Índia antiga, mas também na Grécia da época clássica, aceitava-se a teoria de uma recorrência cíclica e a história foi interpretada no quadro desta visão global. Cabe dizer que na Índia havia pessoas, como Buda, para quem esta lei do karma era insuportável. Buda tentou desvencilhar-se dela por redução ou esvaziamento do próprio ego, a concentração em si mesmo, a renúncia a qualquer aspiração.

A visão global do devir histórico de São Tomás é outra: as criaturas, como efeitos de Deus, voltam para Ele, sua causa, porque, segundo uma lei metafísica universal, todo efeito retorna à sua causa. Este princípio, formulado pela primeira vez na metafísica neoplatônica, expressa uma lei universal, pois todas as coisas têm uma inclinação à própria perfeição e suas operações tendem a aperfeiçoarem-se. Aperfeiçoando-se, tendem a Deus, isto é, a uma participação mais completa da bondade divina. A ordem do progresso é o caminho do imperfeito ao mais perfeito. As criaturas individuais, como a totalidade delas, voltam a seu princípio enquanto expressam, e levam a adiante, uma semelhança maior com o seu princípio, segundo o seu ser e sua natureza. Esta brilhante passagem mostra que a história tem seu sentido enquanto as coisas existem e operam segundo sua natureza. Desde logo, no caso dos homens, as palavras “segundo o seu sentido e sua natureza” têm um sentido especial, pois o homem deve retornar a Deus com o seu intelecto e vontade. Realiza a perfeição na assimilação a Deus mais pela conformidade de suas ações com Deus, do que pela conformidade do seu ser com Ele.

Aqui se pode ver a solução do problema do sentido da história, problema que atormentou a tantos filósofos. Segundo eles, a história não seria mais que uma marcha em direção a um destino desconhecido, não teria desenlace, seria uma repetição inútil das mesmas ilusões; a experiência humana estaria marcada pelo fracasso. Segundo Paul Ricoeur, a história em si mesma não tem sentido, mas certos acontecimentos recebem uma significação na obscuridade da fé pela irrupção do sobrenatural.

Por muito que seja certo que a história da salvação sobrenatural é enxertada na marcha da história profana (como logo veremos), esta última já tem um sentido enquanto as criaturas atuam segundo a sua natureza. O regresso à Causa Primeira fica imperfeito nas criaturas não racionais, que cumprem um movimento circular, enquanto saem do Bem para retornar a Ele. O regresso das criaturas intelectivas constitui um círculo perfeito, enquanto alcançam a Causa Primeira, objeto de seu conhecimento e de seu amor. Sendo o homem o cume das criaturas visíveis, é muito conveniente que ele se una ao Primeiro Princípio e que se consiga, assim, a consumação das coisas. Ademais, há que considerar que, inclusive pela razão natural, a vida terrestre do homem não é o seu destino definitivo. Além do mais, em vista da vida terrestre difícil de muitos justos, a fé na justiça divina obriga-nos a aceitar uma outra vida depois da morte.

Na Antiguidade os homens estavam impressionados pela ordem visível e aceitaram a lei cósmica do nascer e perecer perpétuos. Nesta visão, um acontecimento particular não pode ter importância universal. É verdade que um historiador, como Polibio, considerava os acontecimentos no mundo mediterrâneo como uma preparação à chegada do Império Romano, mas, apesar disso, ele estava convencido de que a Fortuna (a sorte) pode inesperadamente mudar a situação.

Outro ponto de diferença com a nossa maneira de ver: os antigos pensavam que o desenvolvimento dos acontecimentos está predeterminado pelo fato de que, por meio de oráculos, profecias, astrologia etc., podia-se prognosticar o que ia acontecer. (Trad. de Paulo Faitanin)

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