
O bispo de Formosa, GO, Dom Adair Guimarães, anda meditando, nos últimos dias, o Tratado prático dos vícios e das virtudes, escrito pela mística mexicana María Concepción Cabrera de Armida, a beata Conchita (sua beatificação se deu recentemente, em 2018). Conchita teve nove filhos antes de enviuvar-se, aos 39 anos, quando então buscou conciliar vida doméstica e vida religiosa. Fundou quatro institutos religiosos. Escreveu muito. Em 1913, o Papa Pio X autorizou-a a fazer a profissão religiosa sem deixar o ambiente familiar.
Esse corajoso bispo da roça, com sua linguagem franca e simples, durante os dois últimos anos de coronavírus tem exortado quase diariamente os ouvintes a lutar contra pandemia do medo e a frouxidão de espírito, exercitando os músculos da alma na única academia capaz de curá-la: a prática das virtudes.
Em sua “Oração da manhã”, no dia 22 de janeiro deste ano, programa diário que faz para a rádio de sua diocese, o bispo leu um trecho do livro que trata da falsa delicadeza, registrando o que o próprio Jesus havia dito à beata:
“A delicadeza é filha da moleza. Não falo aqui daquela delicadeza pura e espiritual, que busca a pureza da alma e lastima até a menor sujeira que a mancha. Pelo contrário, o vício da delicadeza consiste num refinamento polido, de exagerada sensualidade. Parece que até a luz lamenta essa debilitação satânica da delicadeza. O amor-próprio, isto é, o excessivo cuidado consigo mesmo, reina absoluto na delicadeza. As almas e os corpos, abrigados no ninho dourado da delicadeza, merecem o purgatório e ainda se expõem, por vezes, ao inferno. O mundo, e até algumas comunidades religiosas, estão cheios desse mal tão pernicioso. Essa delicadeza maldita é tão penetrante, que se insinua, suavíssima, em todo e qualquer lugar. Ai das almas que por elas se deixam seduzir. Desgraçadas! A delicadeza afastá-las-á a da minha Cruz e de mim; e quem se afasta de mim, perde-se sem remédio. Abomino infinitamente esse laço de satanás, pois somente eu consigo medir os infindos prejuízos que a delicadeza causa nas almas. A delicadeza não existe, e não poderia existir, na vida espiritual. Dito de outra forma, não pode haver vida espiritual onde há delicadeza: uma é inimiga da outra, e jamais podem juntar-se. A delicadeza foge da Cruz, enquanto a vida espiritual abraça-a. A delicadeza detesta a dor em todas as suas manifestações. A vida espiritual encontra na dor a sua maior felicidade. A delicadeza se compraz com os mais requintados prazeres. A vida espiritual os repele, afasta-se deles. A delicadeza ama o descanso e a inação. A vida espiritual a arde e abraça o fogo vivo do amor divino, que nunca busca nem aceita descanso, porque seu descanso consiste em não descansar. Existe uma absoluta contraposição entre a delicadeza indolente e a vida perfeita de amor e sacrifício. O remédio contra a delicadeza consiste na transformação total da alma por meio da crucifixão própria. Aqui precisamos de todas as virtudes guerreiras, para matar toda a condescendência e debilidade da alma. Só com o vigor heroico e a força formidável destas virtudes poder-se-á derrotar e destruir este vício brando e oleoso, que tantas almas afunda na eterna perdição. Que as almas abram os olhos e enxerguem, na delicadeza, o caminho direto para o sua eterna ruína, e na Cruz a senda segura para a eterna salvação. A dor vem destruir a delicadeza, removê-la de seu trono, desmascarar satanás, alertar milhares de almas enganadas e adormecidas pelo licor embriagante da delicadeza.”
Dom Adair encerrou com um comentário breve e direto, onde nem faltam alguns neologismos, pois quase nada mais haveria que acrescentar a tão sábias palavras:
“Geralmente”, disse o bispo, “nós entendemos por delicadeza aquela amabilidade e educação das pessoas. Tudo bem; é isso mesmo. Agora, aquela [outra] delicadeza é pagã; você vive uma falsidade. Na verdade, é isto: a delicadeza, para a Conchita, é uma espécie de falsidade, em que você se torna encapsulado por uma espécie de veludo de proteção contra todas as dificuldades e sofrimentos. Você se torna essa pessoa delicada, cheia de aprazeiramentos, que não quer se envolver com as dificuldades, com aquilo que vem da Cruz. [Com] esse tipo de delicadeza nós temos que romper em nós, porque ela é falsidade, ela é mentira, e aquilo que é falsidade e mentiroso não pode se abrigar no coração de quem é realmente de Deus. Então, nós vamos pensar nisto e procurar, cada vez mais, aprimorar a nossa santificação, fugindo dessas falsidades, dessa maneira de sermos delicados, pessoas muito enveludadas, o que não passa de uma falsidade e de uma tremenda oposição àquilo que são as virtudes de Deus”.
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