Foi com o romantismo que os ideais revolucionários penetraram definitivamente no mundo da cultura, com seus objetivos de liberdade ilimitada e repúdio da visão de mundo predominante, tal como tinha sido legada ao Ocidente por um milênio e meio de civilização cristã.
Uma nova visão religiosa se impunha, sobretudo na poesia, baseada num “conhecimento” de Deus desvinculado das fontes oficiais, ou seja, da Igreja. O individualismo romântico construía a sua própria teologia, uma teologia negativa que se insurgia contra os dogmas e a tradição.
Era moda ser herético, e com a vantagem de não mais ter de acertar contas com a Inquisição. Retornam à ordem do dia, com nova roupagem, as principais heresias cristãs, como a redução do Cristo à sua dimensão humana, desdém da graça divina, o domínio da realidade por dois princípios eternos e antagônicos. Afirmam-se certas concepções pagãs, como a identificação do divino com as forças naturais, ou se importam do Oriente crenças como a da transmigração da alma humana para outro corpo, após a morte. Do ponto de vista religioso, o romantismo foi uma verdadeira e própria colcha de retalhos.
Um dos temas “religiosos” filtrados pelo romantismo, mas de origem bem remota, é a revolta gnóstica contra Deus: a culpabilização do Criador pela existência do Mal (ou sua impotência em reprimi-lo). É um leitmotiv sempre presente na poesia moderna, que tem no romantismo uma de suas principais fontes.
O poema “Senhor se da tua pura justiça”, da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, é bom exemplo dessa revolta:
Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos
Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido
E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto
Por muito que eu te chame e te persiga.
[Sophia de Mello Breyner Andresen. Antologia. Lisboa, Portugália, 1968, p. 142].
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