[Abaixo, um trecho do livro do professor francês Xavier Martin, L’homme rétréci par les Lumières (que poderia ser traduzido, mais ou menos, como “o homem oprimido ou amesquinhado pelas Luzes”), lançado em 2020 pela editora DMM. Xavier Martin ensinou na Universidade d’Angers e é historiador das ideias políticas, tendo se interessado sobretudo pelo Iluminismo e suas consequências na Revolução Francesa. Em sua visão, os filósofos iluministas e os líderes revolucionários tinham uma concepção mecanicista e utilitarista do ser humano, o qual não passaria de uma máquina sujeita às sensações e movida apenas por interesses egoístas. Uma concepção que é prato-cheio nas mãos de políticos com inclinações totalitárias. A prova disto está na própria Revolução Francesa, que não hesitou em pôr em prática a sua “política do terror” quando houve a oportunidade. É sempre a tentação gnóstica da elite iluminada que se acha na obrigação de cuidar e dirigir a maioria não-iluminada].
Todos os dias, seja na mídia, no mundo político, no âmbito educacional, ouve-se dizer que o “Iluminismo”, esse orgulho francês, descobriu e ofereceu ao mundo inteiro a grande ideia da unidade do gênero humano.
Trata-se de uma exorbitante aberração, pois o que ocorreu foi justamente o contrário: questionando essa unidade, na realidade eles desmembraram a raça humana, ou pelo menos estavam teimosamente inclinados a fazê-lo.
Na raiz das ideologias do século XX, ao estabelecer uma hierarquia entre os homens, fossem raciais ou sociais, a ideologia iluminista retomou a heresia gnóstica, inaugurada pela Maçonaria, segundo a qual apenas uma certa elite iluminada é capaz de dirigir o resto da população inculta. Essa ideia pode ser reencontrada, em nossos dias, nesses pensadores televisivos que impõem sua visão de sociedade a toda uma categoria de ignorantes, apesar de parecerem centenas de milhares os que se manifestam nas ruas…
Que os Diderots, Voltaires, Helvétius e aliados negassem claramente a consistência da ideia de um gênero humano, tinha lá a sua lógica, se se pensar em certos princípios dos quais estavam imbuídos, e dos quais se orgulhavam só por serem “progressistas”.
A consequência foi que eles passaram a sub-humanizar muitos que sempre foram tidos como homens. Muitas vezes, pessoas de cor, mulheres, gente do povo, especialmente camponeses, tiveram de pagar o preço desse tratamento depreciativo.
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