Há mais ou menos um ano, um ministro do STF, Edson Fachin, cunhava a expressão “abuso do poder religioso” e defendia a necessidade de contê-lo. Citava, como exemplo, um político que se elegesse por ser líder religioso. Disse-o durante o julgamento de uma vereadora goiana, acusada de ter sido eleita beneficiando-se do fato de ser pastora evangélica.
A ideia do ministro, cujo pensamento político não é segredo para ninguém, não teve apoio de seus pares, mas revela o que pensa um membro da suprema corte acerca do papel das confissões religiosas na vida pública do país. Suas preocupações tinham um endereço certo: o crescimento do conservadorismo evangélico na vida política brasileira.
O episódio morreu por lá mesmo, no ano passado. No entanto, sabemos o que vai pela cabeça iluminista dessa gente, para quem a tolerância com certas novelas da Globo, em especial as que fazem campanha ostensiva pelos direitos LGBT, é sinal de maturidade política e cultural, enquanto permitir a presença de princípios cristãos nas leis do país, principalmente relacionados ao aborto, é perigosa, pois ameaçaria as fronteiras que deveriam separar Estado e religião, como se a proibição cristã da “interrupção da gravidez” (na expressão politicamente correta) não se fundasse, ela mesma, no próprio direito natural, como ocorre, aliás, com todas as prescrições morais do cristianismo.
Do jeito que a coisa vai, logo algum ministro do STF decidirá abrir um inquérito para checar a veracidade dos testemunhos, que aparecem nos Evangelhos, sobre os milagres e a ressurreição de Cristo, alegando haver sérios indícios de que tudo aquilo não passe de um amontoado de “fake-news”…
E o que é pior: encontraria sem dificuldades teólogos, ditos cristãos, que colaborariam de bom grado nessa empresa de checagem. Não foi o atual superior dos jesuítas, padre Arturo Sosa, quem disse das palavras de Jesus que não deviam ser tomadas ao pé da letra, pois não havia gravador naquela época?
Não estamos longe de ver a própria evangelização enquadrada como abuso do poder religioso. Quando o direito positivo atropela a “lei natural” — ou seja, quando as normas jurídicas, elaboradas em vista de determinada situação histórica, violam normas que estão inscritas desde sempre no coração de cada ser humano —, isto tem um nome: ditadura da toga.
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