Quando os romeiros chegaram à cidade mineira de Três Pontas, espantaram-se com os morros e colinas forrados de pés de café. O município é um dos maiores centros cafeeiros do Brasil e, certamente, se orgulhará muito disto.
No entanto, o povo católico da região terá, cada vez mais, um motivo ainda maior de alegria: Três Pontas é também a cidade do Padre Francisco de Paula Victor, ou simplesmente Padre Victor, declarado beato pela Igreja em 2015. O milagre, exigido para beatificação, foi o de uma professora que engravidou contra todas as expectativas médicas: só tinha uma trompa uterina, e ainda assim obstruída.
Filho da escrava Lourença Maria de Jesus e de pai desconhecido, Padre Victor nasceu pertinho de Três Pontas, na vila de Campanha da Princesa da Beira, atual Campanha, em 12 de abril de 1827, num casarão da então Rua Direita pertencente à família de dona Mariana Ferreira, sua senhora e madrinha de batismo.
Há um preconceito, bem espalhado pelo Brasil, de que os escravos não eram respeitados pelos seus senhores, e só excepcionalmente recebiam tratamento digno. Não é verdade, como bem demonstrou o sociólogo Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala. Ao lado de senhores cruéis, havia cristãos que temiam a Deus e sabiam que os escravos eram seus semelhantes, também salvos pelo sangue de Cristo na cruz.
Dona Mariana Ferreira era uma boa católica. Tinha pelo pretinho talentoso um carinho especial, tratando-o não como escravo, mas filho de Deus. Percebendo a inteligência do pequeno, ensinou-o a ler, escrever, falar francês e a tocar piano.
Além de inteligência, tinha boa saúde de corpo. Certamente por influência da madrinha, pouparam-no dos serviços mais rudes reservados a pessoas de sua condição: foi alfaiate em sua adolescência e juventude. Tinha passado dos vinte anos, quando era aceito no Seminário de Mariana pelo Bispo Dom Viçoso (um bom pastor, cujo processo de beatificação já caminha no Vaticano). Dona Mariana doou ao afilhado o dote necessário para os estudos eclesiásticos, então exigido pela Igreja.
Em vez de rebelar-se, padre Victor foi um verdadeiro discípulo de Cristo, aceitando as humilhações inevitáveis que a sociedade da época lhe impunha. Sofreu com paciência o desprezo dos colegas brancos no Seminário, apesar da proteção de Dom Viçoso; superou as dificuldades iniciais de sua carreira religiosa, a partir de 1852, como pároco de Três Pontas, cargo que exerceu até sua morte, em 23 de setembro 1905, já nos inícios do século XX.
Em vez de rebeldia, contribuiu com obras concretas para o fim das barreiras sociais e humanas de sua cidade, fundando, em Três Pontas, a Escola da Sagrada Família, para servir toda a região e todas as classes sociais. Era notório o seu cuidado com todos os que necessitassem de conforto espiritual, em especial os pobres, livres ou escravos. Quando de sua morte, o corpo permaneceu exposto por três dias, sem maus odores, na Matriz por ele construída, tão grande era o número de pessoas de Três Pontas e região que vieram para despedir-se do seu pároco já com fama de santidade.
É impressionante como Três Pontas se deixou impregnar da presença espiritual e até física do Padre Victor. Casas comerciais levam o seu nome ou ostentam o seu retrato. A Igreja Matriz Nossa Senhora d’Ajuda, onde o santo está enterrado, vive apinhada de gente; e, aos domingos, são várias as missas com a capela cheia de devotos. Romeiros pedestres se deslocam de cidades vizinhas para cumprir promessas ou alcançar graças. Enfim, toda a cidade parece viver da proteção do Padre Victor.
Como se não bastasse Padre Victor, Deus foi ainda mais generoso com Três Pontas: abriu-se recentemente o processo de canonização da madre carmelita Teresa Margarida do Coração de Maria, mais conhecida como “Nossa Mãe”, que foi fundadora e abadessa do Mosteiro São José. Duas pessoas santas já cuidam de Três Pontas, no Céu. O que mais poderia desejar uma cidade?
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