Quatro vacinas atualmente utilizadas contra a covid, na Europa, valeram-se, no processo de desenvolvimento e produção, de linhas celulares derivadas de tecidos humanos, obtidos de dois abortos voluntários ocorridos algumas décadas atrás, nos anos setenta e oitenta (o que não é novidade na indústria de remédios).
A vacina da Astrazeneca (desenvolvida pela Universidade de Oxford e em utilização no Brasil) utilizou a linhagem celular HEK293 na fase de pesquisa e desenvolvimento. Além disso, utiliza-o, ainda, na fase de produção da vacina. (HEK, na sigla, significa “Rim embrionário humano”; e a cifra 293 indica que foi o experimento nº 293 do Dr. Frank Graham, no laboratório holandês de Alex van der Eb, proveniente de menina saudável abortada na Holanda, no início da década de 1970).
A vacina da Johnson & Johnson também utilizou, em fase de pesquisa e desenvolvimento, e ainda utiliza, na fase de produção de vacinas, a linhagem celular fetal PER.C6, proveniente de bebê sadio, abortado em 1985 com 18 semanas de vida (já no quinto mês de gestação).
Além da Astrazeneca e da Johnson & Johnson, também a vacina da Pfizer utilizou, na fase de pesquisa e desenvolvimento da vacina, bem como na fase de teste, a mesma linhagem fetal HEK293. O mesmo ocorreu com a vacina da Moderna, que usou a linhagem celular HEK293 na fase de pesquisa e desenvolvimento da vacina.
Essas informações se encontram no site da Children of God for life, associação católica americana que trabalha contra a exploração dos restos mortais de crianças abortadas.
Observe-se que não foram abortos praticados em vista da produção de vacinas, nem de células originais desses embriões, mas de “células descendentes” delas, conservadas com vida nos laboratórios. As células, retiradas desses embriões, podem se reproduzir indefinidamente — não existiriam, portanto, não fossem os dois bebês eliminados nos anos setenta e oitenta.
Algumas perguntas são inevitáveis. Ao “imortalizar” essas células, os cientistas de algum modo mão “imortalizaram” o grave pecado cometido contra aqueles dois minúsculos seres humanos impedidos de viver? A gravidade do ato imoral diminui quando se sabe que a fabricação das vacinas anti-covid não exigiu o sacrifício aqueles dois abortos? Os cientistas, que se aproveitaram de uma realidade já pré-existente (as “células descendentes” dos abortos), estarão isentos de responsabilidade moral, uma vez que exploraram restos mortais de crianças abortadas?
As respostas não são fáceis. Pode-se argumentar que uma coisa é valer-se de um órgão de uma pessoa falecida (seja por morte natural ou não) para pesquisas científicas, desde que com autorização dos parentes; e outra, bem diferente, é a torpe utilização de restos mortais de bebês que foram abortados voluntariamente como parte de um sórdido negócio — parece filme de terror, mas é real — em que, de um lado, entram mulheres que engravidam exclusivamente para esse fim e, de outro, laboratórios que compram os órgãos extraídos dessas crianças.
Como saber quando se trata de uma coisa ou de outra, já que a proveniência das células jamais virá mencionada na bula do remédio? Independentemente, porém, da resposta, a verdade é que já se considera o uso de fetos abortados uma normalidade para pesquisas científicas (não só visando a produção de medicamentos, mas também de adoçantes, aromatizantes artificiais e até cosméticos), e é aqui que reside o problema: criar-se uma mentalidade bastante condescendente para com esse fato imoral, desde que o fim seja o mais desejável dos bens: a salvação de vidas humanas.
Por causa de dúvidas e questionamentos dessa espécie, que não cessavam de chegar ao Vaticano, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou, em dezembro de 2020, uma “Nota sobre a moralidade do uso de algumas vacinas anticovid-19”, que despertou suspiros de alívio ou reservas.
Aqui pode ser lido o documento da Santa Sé que, em síntese, diz o seguinte: “…quando não estiverem disponíveis vacinas contra a Covid-19 eticamente inquestionáveis (por exemplo, em países onde não forem postas à disposição dos médicos e dos doentes vacinas desprovidas de problemas éticos, ou onde a sua distribuição for mais difícil por causa de particulares condições de conservação e transporte, ou quando forem distribuídos vários tipos de vacinas no mesmo país, mas as autoridades médicas não permitirem aos cidadãos escolher a vacina a inocular), é moralmente aceitável utilizar as vacinas anticovid-19 que tiverem utilizado linhas celulares de fetos abortados no seu processo de investigação e produção.” (§ 5º do documento “Nota sobre a moralidade do uso de algumas vacinas anticovid-19”, da Congregação para a Doutrina da Fé)
Segundo o documento, a razão fundamental para considerar moralmente lícito o uso destas vacinas é que é remota, da parte de quem as utiliza, a cooperação com o mal do aborto. É uma “cooperação material passiva”, que não necessita ser evitada se houver um grave e incontornável perigo de propagação de um grave agente patogénico.
Essa “cooperação material passiva” é diferente do que ocorre com as pessoas que, nas empresas farmacêuticas, participaram diretamente das experiências. E, mesmo entre esses, não é igual a responsabilidade, por exemplo, dos que decidem a orientação da produção e a dos que não têm nenhum poder de decisão.
Afirma, ainda, o documento que “a vacinação não é uma obrigação moral e, por conseguinte, deve ser voluntária”, porém “quantos, por motivos de consciência, rejeitam as vacinas produzidas com linhas celulares derivadas de fetos abortados, devem esforçar-se para evitar, com outros meios profiláticos e comportamentos idóneos, de se tornar veículos de transmissão do agente contagioso”.
Curiosamente, entre as vozes favoráveis ao documento encontra-se a do historiador italiano Roberto de Mattei, um tradicionalista que não tem poupado críticas ao Papa Francisco. Já o Bispo Athanasius Schneider, que pensa como de Mattei em relação ao atual pontificado, discorda do documento e acredita que o católico não deve utilizar tais vacinas.
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