O desinteresse dos nossos cursos universitários de Letras pelos clássicos mais antigos parece que é congênito ao povo brasileiro. Tudo isso já estava lá, no começo de tudo, na época dos jesuítas e das primeiras caravelas.
Padre Serafim Leite, no primeiro volume de sua vasta e erudita História da Companhia de Jesus no Brasil, mostra com fartura de exemplos o imenso trabalho que os padres da Companhia de Jesus empreenderam, mundo afora, para aprimorar seu método de ensino, o “Ratio Studiorum” (estudo racional, sistemático), que inegavelmente contribuiu para o desenvolvimento da civilização ocidental. O método previa três graus, ou áreas, como preferimos dizer hoje: Letras Humanas, Filosofia e Teologia.
Letras Humanas, que vinha após o ensino elementar, equivalia ao nosso ginasial e se dividia em Retórica, Humanidades (literatura antiga e história) e Gramática (elevada, média e básica). Segundo os jesuítas, a principal preocupação do adolescente devia ser o domínio das ferramentas do conhecimento: aprender a ler, escrever e falar. A principal língua era o latim, única que os alunos deviam usar em aula para escrever ou conversar, embora também fossem iniciados no grego e no hebraico. Os modelos de escrita eram os velhos clássicos gregos e latinos, que ainda estavam na ordem do dia: Homero, Demóstenes, Horácio, Ovídio e, como mestres de estilo, Cícero e Virgílio. No Brasil, ensinava-se também o que os padres chamavam de “grego da terra”, a língua dos índios, que logo teve a honra de merecer gramática e dicionário.
Em seguida, vinha o curso de Filosofia, preparatório para o de Teologia, tanto teórica como prática, com discussão de casos morais.
Conta o nosso historiador que o regulamento em sala de aula era rigoroso e o trabalho era árduo. Não se permitia demasiado lazer aos alunos, e os melhores estudantes, dos quais sairiam os futuros professores, tinham tratamento especial: não se desperdiçavam os talentos, como agora. Um cuidado que nós, hoje em dia, responsáveis por uma cultura de “melhores abandonados”, preferimos chamar desdenhosamente de elitista.
No entanto, essa notável máquina de ensinar criada pelos jesuítas — que era utilizada nos quase mil colégios espalhados por todo o mundo, até o século XVIII, quando a ordem foi extinta —, pelo jeito não fazia muito sucesso aqui em nossa relapsa terrinha… Os padres, em suas cartas, referiam-se com frequência à pouca disposição dos brasileiros para os estudos, apesar de quase todos garantirem que fossem talentosos. Talentosos, porém com uma aversão crônica ao método.
Parece que nascemos para ser assim, enquanto povo e nação, avessos a todo estudo mais sistemático. Nenhuma “Ratio Studiorum”, com toda a sua austeridade pedagógica, podia dar conta da irrefreável tendência nacional para a pagodeira e a dispersão. Leia-se o que escreveu um desses padres decepcionados: por ser a “terra relaxada, remissa e melancólica, tudo se vai em festas, cantigas e folganças”. Ou seja, enquanto no resto do mundo a moçada ralava nas línguas clássicas e no estudo dos antigos, nossos antepassados tinham uma missão histórica muito mais importante: estavam lançando as bases, cada vez mais sólidas, da nossa futura mentalidade carnavalesca. Em vez da rigidez jesuítica, sempre preferimos “distrações repetidas e demasiadas”. Festejar, cantar, folgar… Era, e continua a ser, o nosso jeitinho próprio de contribuir para o aperfeiçoamento dos grandes vícios da espécie humana.
Outro jesuíta da época, padre Pero Rodrigues, precursor daqueles naturalistas europeus que logo aportariam nos trópicos para pesquisar a fauna e a flora brasileira, pintou o seguinte quadro no português arcaico de então: “Como nesta província nasce um bicho, como raposas, a que chamam preguiça, não sei como também se pega em muitos a pouca curiosidade do estudo e contentam-se com pouco, donde entra a ociosidade e com ela suas filhas e isto se vê mais nos naturais”. Traduzido para o português de hoje, ficaria mais ou menos assim: “Nesta província nasce um bicho, parecido com raposa, a que chamam de preguiça, com o qual muitas pessoas se parecem, pois demonstram pouca curiosidade para o estudo e contentam-se com pouco. É aí que entra a ociosidade e, com ela, suas filhas (os vícios), sobretudo nos índios”.
O resultado, segundo Pe. Serafim Leite, era uma quase total falta de aplicação aos estudos e a permanente ameaça de desistência. Evasão escolar, portanto, não é coisa nova no país: acha-se entre os mais veneráveis problemas brasileiros.
Olá, Professor J.C. Zamboni:
Sou seu leitor e gostaria de enviar-lhe meu novo livro (Os fios da escrita: ensaios literários). Se possível, me informe o endereço para remessa, ao meu email – betoq55@gmail.com
Forte abraço,
AQ.
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Republicou isso em Leveza e Esperançae comentado:
Um texto do emérito professor J.C. Zamboni. Imperdível.
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