Na quinta-feira celebrou-se o primeiro Dia da Fraternidade Humana. Foi uma proposta do Papa e do Grande Imã de Al Azhar, que a ONU ratificou em dezembro do ano passado. O objetivo é tornar todos os seres humanos conscientes de que fazem parte de uma grande família universal e as diferenças não podem ser resolvidas pela violência. Que o principal líder sunita, como o egípcio, tenha assinado esta petição é especialmente importante, porque entre os muçulmanos há muitos que levam o seu radicalismo religioso ao extremo de matar os de outras crenças, especialmente os cristãos, como bem sabem os que vivem na África Central e no Iraque. Embora não se dê muita atenção a isso, é algo importante.

Imagino que o objetivo de uma tal celebração é construir pontes que ajudem ao diálogo. Para o fazer, é necessário olhar para o que nos une, a fim de ter um ponto de partida comum. Somos membros da mesma espécie humana e habitamos o mesmo planeta. O que acontece num ponto do mundo, acaba por nos afetar a todos, como demonstrou o vírus da Covid. São João XXIII utilizou este mesmo princípio para lançar o diálogo ecuménico.

Ninguém ignora, porém, que isto não é tudo e que pode mesmo ser prejudicial, se se chegar à conclusão de que o que nos separa não é importante. No campo ecumênico, por exemplo, as Igrejas fizeram grandes progressos no diálogo, alcançando objetivos importantes, como o acordo sobre “justificação” assinado com os luteranos, mas estamos muito longe de alcançar a tão desejada unidade solicitada por Cristo, na sua última mensagem antes de partir para o Monte das Oliveiras, na noite de Quinta-feira Santa.

É por isso que acho interessante olhar para o que fez São Francisco de Assis, que foi um pioneiro desta “fraternidade universal”. É seu o “Cântico das criaturas”, no qual ele vai além de chamar de irmãos os homens: faz o mesmo em relação ao sol, à lua, à terra, ao vento e à água. Chama a própria morte de sua irmã. Mas a fraternidade universal, que São Francisco cantou e viveu, foi uma fraternidade baseada na fé em Deus, o Criador. O “Cântico das criaturas” não é um hino às criaturas, mas ao Criador de todas elas: “Louvado sejais vós, meu Senhor”, começa cada uma das estrofes, dando graças a Deus por ter criado todas essas criaturas, incluindo o homem. É, portanto, uma irmandade baseada no fato de existir um Criador. Posso chamar o outro de irmão, porque acredito num Deus que o criou e a mim. Se o outro não acredita nesse Deus e ainda quer chamar-me irmão, não tenho qualquer objeção, mas devo dizer-lhe por que acredito no Criador; não vou esconder esse fato.

São Francisco não só não o escondeu, como enviou muitos dos seus primeiros seguidores para evangelizar em países muçulmanos. Santo António deixou a ordem agostiniana e tornou-se franciscano, porque dois dos seus amigos tinham morrido mártires em Marrocos, para lá enviados pelo santo de Assis. O próprio São Francisco partiu para o Egito e tentou evangelizar o próprio sultão. Procurou a sua conversão não com a espada dos Cruzados, mas pelo testemunho e a palavra. Enfim, o fato é que ele procurou a sua conversão.

É um passo importante que todos nós nos reconheçamos como irmãos. São Francisco o fez e eu não tenho qualquer problema em fazê-lo. Pelo contrário. Isto não implica a anulação de diferenças ou a renúncia à evangelização. É pela fé em Deus Criador que proclamo a fraternidade universal. Pela fé no Filho de Deus feito homem, aceito o seu pedido de ir a todo o mundo pregar o Evangelho, porque, como ele mesmo o disse, aquele que crê e é batizado, será salvo; e aquele que não for, será condenado.

Estas são palavras suas que muitos, hoje em dia, gostariam de suprimir e que terão de ser interpretadas, mas que não podem ser esquecidas. Fraternidade, sim; e evangelização também. Como fez São Francisco.