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A era contemporânea tem um triste privilégio. Em todas as épocas, os intelectuais discutiram sobre a existência de Deus e muitos tentaram refutar sua existência. Os ateus sempre existiram. Em épocas passadas, no entanto, a negação da existência de Deus raramente era acompanhada de uma arrogância presunçosa e uma alegre despreocupação, que esquece completamente o limite do homem e a morte.

O homem de hoje se vangloria com frequência de poder prescindir de Deus, de saborear os prazeres e alegrias da vida com mais liberdade, uma vez que o vínculo com o destino e o Mistério foi rompido. Já que todas as certezas do passado foram esquecidas e a tradição revelou-se inconsistente, o homem estaria livre para poder finalmente recomeçar tudo ex nihilo; e, aparentando não ter mais dívidas com o passado e com a superstição metafísica, criar um novo mundo.

Uma vez apagadas todas as luminárias do passado, a era contemporânea testemunha a ascensão de uma nova luminária cultural. Uma vez que ruíram todas as figuras de referência do passado, é possível negar a existência de qualquer verdade absoluta, favorecer uma falsa tolerância em nome de um suposto multiculturalismo, recorrer aos especialistas de todas as áreas.

Tendo perdido de vista a unidade do conhecimento e o sentido geral da cultura, estamos diante de uma fragmentação das disciplinas que não são mais reportáveis a um unicum: não conseguem mais dialogar entre si. O cardeal Joseph Ratzinger cunhou a expressão “ditadura do relativismo” para definir justamente essa cultura contemporânea, para a qual só há uma única certeza: a de que não há verdade.

A evidência das coisas foi substituída pela dúvida a respeito de tudo, pelo menos em nível teórico. Na prática, de fato, a demolição do critério do conhecimento pela fé acabaria por conduzir a um rápido retorno à Idade da Pedra, em que cada homem, se não desse crédito às aquisições herdadas, seria forçado a refazer novamente todas as etapas do passado. No plano técnico-científico, já quase não se aplica o critério da dúvida; e a ciência, ideologizada, esquece-se do verdadeiro método experimental, propagando-se, como certas, teorias ou teses ainda não comprovadas.

No nível humano, religioso e metafísico, no entanto, a dúvida se estende a todos os campos, afetando todos os aspectos da realidade. Diante da dúvida generalizada, o homem não sabe mais como afrontar a aventura da realidade. O herói antigo, Orestes, que está decididamente disposto a vingar a morte de seu pai, é substituído por Hamlet, um homem tomado pela dúvida sobre a realidade e a evidência de coisas; um homem inerte, incapaz de agir. O seu olhar já não pode mais fixar-se no mundo real. Uma sonolência, uma preguiça, uma inércia se apossaram da vida humana.

O relativismo cultural saiu do terreno do conhecimento e, com o passar do tempo, apoderou-se da ética. Na ausência do bem e do mal, toda ação humana tornou-se arbitrária e subjetiva, ou seja, passível de avaliação exclusivamente com base em critérios subjetivos da pessoa que a executou. A ação já não é boa em si mesma, mas em relação ao propósito e aos objetivos pré-fixados pelos que a realizam.

A transição do relativismo gnosiológico e ético para o estético é imediata. Se o belo, o bom e o verdadeiro coincidem, na ausência de um bem objetivo e de uma verdade objetiva a própria beleza perde a sua condição de existência.

Na época dos gregos antigos, a falta de certeza e de divindades benévolas fazia da vida algo muito grave, do qual nasceriam os heróis antigos, homens que, apesar da dor e do drama existendial, se colocavam de maneira digna diante da vida e do destino. A tragédia antiga é o resultado mais maduro dessa percepção do homem enquanto vítima da sorte e das divindades, um homem desesperado, aquém de toda esperança. O desespero antigo, porém, é um desespero grave, titânico e profundo, que pode ser bem expressa nas palavras do escritor contemporâneo Franz Kafka (1883-1924): “Se houver salvação, quero ser digno dela”. O homem antigo era profundamente religioso e, sob todos os aspectos, procurava investigar o destino, o mistério, o sentido de tudo.

Hoje, contudo, o desespero tornou-se algo alegre, típico de um homem que, pensando que pode viver sem Deus, deve esquecer-se de seu destino. Deseja viver sereno, calmo, otimista, mesmo sem razões de esperança. Quanta distância separa o homem contemporâneo da gravidade do homem grego!

Esse homem não comprometido com a realidade, aparentemente solar, que não sente o peso da vida e das dificuldades, é talvez consequência da insustentabilidade de uma visão absurda da vida e do mundo, privada de seu real significado. A leveza do eu é o outro lado da moeda da insustentável pesadez de uma realidade que se tornou desconhecida, incognoscível; uma prisão sombria e labiríntica que nos impede de escapar. A leveza do ser é uma consequência da incapacidade de manter um verdadeiro relacionamento com a realidade, que se tornou insuportável, uma vez que o Mistério, o Criador, o Destino foram eliminados do horizonte humano. O homem de hoje está sozinho e sabe que está só.

O homem leve, tal como é veiculado pelos meios de comunicação de massa, não se relaciona com os outros. É autônomo, não aceita responsabilidades, não cuida do próximo, mas apenas de si mesmo. Ou pelo menos assim o crê.

A leveza do ser é a outra faze da pesadez do ser. E se é difícil, ou mesmo impossível, sustentar o homem e sua esperança, a única saída é esquecer o homem e sua pergunta… De fato, uma vez perdida a chave de acesso à realidade, esta já não pode mais ser afrontada.

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