Trento

Reforma, como termo histórico, indica uma época bem definida, isto é, o tempo que vai do Concílio de Trento à paz de Westfália (1648). O Concílio de Trento (1545-1563) é o centro e o eixo histórico da restauração católica; todavia, não é o seu único elemento. Como denominação de época, significando um determinado período da história moderna, a Reforma iniciou-se ainda antes do Concílio. Sob certos aspectos, e em algumas nações, um verdadeiro movimento de reforma existe desde o início do século XV. De fato, diversas tentativas de reforma, que tiveram grande importância para a história da espiritualidade, produziram ótimos frutos já antes de 1540; foram depois completadas e sancionadas juridicamente no concílio tridentino.

Como consequência, a Reforma, enquanto renascimento e despertar da vida cristã (e enquanto reordenação estrutural e jurídica da Igreja), não se limita cronologicamente à época tridentina e pós-tridentina, mas se estende a todo o tempo de duração desse renascimento, desde seu início e desenvolvimento, até a plena realização. Neste sentido, é preciso buscar as origens da Reforma no século XV. Na segunda metade do século precedente, difunde-se por toda a cristandade ocidental um desejo universal de reforma. No entanto, a realização de tal desejo não adquire consistência senão no final do século XV. O movimento de reforma já é mais ou menos geral no início do século XVI, mesmo se as iniciativas sejam ainda parciais e independentes entre si. Trata-se, de qualquer maneira, de verdadeiras e autênticas reformas; por isso, esse momento histórico é também chamado de “época das reformas”.

Neste movimento geral de reforma, seja antes ou depois de Trento, nem todas as tentativas obtiveram idêntico sucesso. Algumas reformas, iniciadas no seio da Igreja, contribuíram com notáveis frutos ao renascimento geral; portanto, foram boas e legítimas reformas; outras, mesmo se iniciadas com reta intenção, terminaram por opor-se à Igreja e à sua hierarquia, criando novas igrejas.  Depois do Concílio de Trento, tais reformas constituíram o movimento cismático e heterodoxo conhecido com o nome de protestantismo.

Sob a influência da historiografia protestante, o termo “reforma” reservou-se quase universalmente para indicar esses movimentos protestantes, enquanto a verdadeira reforma católica era chamada de contrarreforma (ou simplesmente reforma católica).  Ora, essa terminologia já está superada e, por ser inexata, é preciso tirá-la definitivamente de circulação, fonte de mal entendidos ou deformações históricas.

Não se pode, nem se deve, chamar de reforma o protestantismo nem de contrarreforma a verdadeira reforma católica.  Cronologicamente, a reforma em sentido católico é anterior, pelo menos em parte, a Trento e a Lutero-Calvino. Doutrinaria e disciplinarmente considerado, o protestantismo não é uma reforma, mas uma revolta, uma rebelião que levou à fragmentação secular da única Igreja, mesmo se indiretamente tenha contribuído para despertar e acelerar o renascimento religioso do século XVI.  Contrarreforma católica só pode significar, legitimamente, um aspecto parcial da restauração católica, isto é, a época posterior a Trento (e enquanto inclui alguns elementos de oposição às correntes protestantes).

Em conclusão, o termo reforma possui historicamente um duplo significado autêntico: em sentido amplo e epocal, abraça a todos os movimentos católicos e não católicos de renovação religiosa do século XV até meados do século XVII; em sentido estrito, equivale a Reforma Católica.

A palavra reforma, sem mais atributos, deve significar Reforma Católica, enquanto para o protestantismo deve-se reservar o nome de pseudorreforma, revolta, revolução religiosa e outros similares.

(Eulogio Pacho. Storia della spiritualità moderna. Roma, Teresianum, 1984, p. 9-11)