[O que está acontecendo, devido ao coronavírus, força-nos a repensar o tema da globalização, inclusive no que se refere ao magistério da Igreja. Se João Paulo II e Bento XV foram prudentes no assunto, o atual pontífice cedeu demais ao globalismo. O próximo Papa, contudo, terá que revisar todo o dossiê. O filósofo Stefano Fontana mostra como.]
É muito provável que no futuro próximo, se o pontífice então reinante quiser escrever uma nova encíclica social, terá que reconsiderar alguns aspectos do ensinamento professado até agora, sobretudo a avaliação da globalização. A epidemia de coronavírus desnudou muitas ilusões sobre esse fenômeno, mostrando-nos suas rachaduras, insuficiências e até os perigos. Quando o magistério social da Igreja se manifestar novamente, o fará de maneira muito diferente do passado.
O tema da globalização já estava presente na encíclica Quadragesimo anno de Pio XI, na Pacem in terris de João XXIII e na Populorum progressio de Paolo VI, mas na época ainda não tinha esse nome. Havia uma percepção clara de que havia então centros de poder transnacionais muito poderosos, que a questão social tinha se tornado mundial e que o tema do desenvolvimento não podia ser tratado senão em conjunto com ela. A globalização também estava presente na Sollicitudo rei socialis de João Paulo II, muito marcada pelo contexto da Guerra Fria.
A globalização, como a conhecemos hoje, somente entra nos ensinamentos dos três últimos papas, sobretudo com o Papa Francisco. João Paulo II menciona-a na Centesimus annus, mas era 1991 e ainda não havia internet. Em vez disso, Caritas in veritate de Bento XVI (de 2009) fala muito a respeito, porque então a realidade da globalização já tinha entrado em sua fase madura.
Nos dois pontífices, a atitude é de prudência: o globalismo é equivocado, a globalização é um processo que deve ser bem administrado, a globalidade entendida como unidade do gênero humano é algo bom. Esta era, em resumo, a linha mestra adotada. A globalização como um processo é vista de maneira neutra, podendo ser positiva ou negativa, dependendo de como é conduzida. Como João Paulo II disse em 2001: “A globalização a priori não é boa nem ruim. Será o que as pessoas fizerem dela”. A globalidade diz respeito à “unidade da família humana e seu desenvolvimento tendo em vista o bem”, que se torna o critério ético fundamental para orientar e avaliar a globalização, como diz Caritas in veritate (§ 42). O globalismo é, ao contrário, a exasperação ideológica da globalização e termina em uma opressão global homogeneizadora, gerenciada por potências transnacionais anônimas.
“Opor-se cegamente seria suicídio” — afirma Bento XV — porque a globalização também é “uma boa oportunidade”, é preciso “corrigir suas disfunções”, tendo em vista que “apresenta grandes dificuldades e perigos”. Prudência e equilíbrio, portanto, mesmo que Bento XVI, mais à frente, proponha uma “verdadeira autoridade política mundial” (§ 67), que deveria – não menos nem menos – “ser reconhecida por todos, gozar de poder efetivo” e da” faculdade de fazer respeitar suas decisões pelas partes envolvidas”. Uma declaração temerosa após a experiência do coronavírus.
Com o Papa Francisco, a adesão da Igreja à globalização levanta voo. Deseja-se um acordo de Schengen mais universal para a migração; uma sociedade global multirreligiosa e multiética é proposta como um bem comum universal; todo muro e toda fronteira são vistos como pecado; é proposta uma colaboração mundial entre todas as religiões; estabelece-se um projeto universal de fraternidade; sonha-se com uma única forma de educação para o novo cidadão do mundo; faz suas todas as propostas da ONU; os movimentos populares mais heterogêneos são mobilizados em uma espécie de renovação social mundial.
E eis que então aparece o coronavírus. Foi a própria globalização que o fez circular rapidamente e os muros da quarentena tiveram que ser erguidos novamente. A Piazza San Pietro e a Casa Santa Marta também foram fechadas. Cada nação afetada teve de tomar providências por conta própria, produzindo por conta própria máscaras e ventiladores para tratamento intensivo. Foi até necessário trazer médicos cubanos. Tivemos que recorrer aos antigos recursos do voluntariado local e não à classe transnacional de gerentes globais. Os países europeus deram-se as costas uns aos outros. O pacto de estabilidade da União Europeia foi abolido sem ser substituído por nenhuma medida comum: cada um para si e Deus por todos. Ajuda financeira significativa veio de Trump, que é o homem das paredes e não das pontes. Para sair da crise econômica, teremos que nos endividar, mas cada nação pagará sua dívida conforme puder, sem chance de reembolso solidário.
O cenário mudou. Uma futura encíclica terá que revisar todo o dossiê: a colaboração internacional não tem nada a ver com a globalização; as nações ainda têm uma dimensão natural irrenunciável; a soberania nacional (inclusive monetária) dos Estados é sacrossanta, porque até as nações têm direito à liberdade na busca de seu bem comum; não existe comunidade política mundial; não existem cidadãos universais que devam ser educados de maneira uniforme; urge apoiar as finanças supranacionais sobre a economia real; mais que o consumo, deve ser estimulada a poupança; família, povo, nação, tradições e território nacional são coisas que não devem ser desarticuladas.
https://lanuovabq.it/it/globalizzazione-un-magistero-da-ripensare
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