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Num artigo para jornal escrito em 1926, “Deus à vista” (Obras completas, “El espectador – VI”, tomo II, p. 495), o filósofo Ortega y Gasset distinguia entre agnosticismo e gnosticismo, essas duas atitudes humanas frente ao que se pode conhecer do mistério de Deus.

O agnóstico é o que não quer saber de certas coisas; trata-se de uma “alma que coloca a cautela e a prudência antes de todas as coisas (…) as coisas, cuja ignorância agrada ao agnóstico, não são quaisquer coisas, mas precisamente as coisas últimas e primeiras; isto é, as decisivas (…) a atitude do agnóstico não consiste em proclamar a realidade imediata e “positiva” como a única existente, o que não teria sentido; pelo contrário: reconhece que a realidade imediata não é a realidade completa; que além do visível deve haver algo, mas de tal condição que não possa ser reduzido à experiência. Em vista disso, vira as costas para o ultra-mundo e não o leva em consideração (…) mantém os olhos fixos exclusivamente neste mundo (…) a paisagem agnóstica não possui últimos termos. Tudo nela é primeiro plano, sem a lei elementar da perspectiva. É uma paisagem de míope e um panorama mutilado. Tudo o que é primário e decisivo é eliminado. A atenção é fixada exclusivamente no secundário e flutuante.”

O homem gnóstico parte, ao contrário, “de um profundo asco por este mundo. Esse tremendo asco por tudo o que é sensível tem sido um dos fenômenos mais curiosos da história. O asco em relação a “este mundo” é tal, que o gnosticismo nem mesmo admite que Deus o tenha feito (…) o mundo é obra de um ente perverso, grande inimigo de Deus. Portanto, a verdadeira criação do verdadeiro Deus é a “redenção”. Criar foi uma ação ruim; o bom, o divino é “descriar”; isto é, redimir (…) enquanto a palavra do agnóstico é experiência — o que significa atenção a este mundo —, a palavra do gnóstico é salvação, o que significa fuga deste e atenção ao outro.”

Sem distinguir entre gnosticismo e cristianismo, até sugerindo que este seria uma modalidade do primeiro, o filósofo espanhol finaliza dizendo que “diante dessas duas preferências antagônicas e igualmente exclusivas, há que cuidar que a atenção se fixe em uma linha intermediária, exatamente a que delimita a fronteira entre um mundo e o outro. A linha na qual “este mundo” termina, pertence a ele, sendo, portanto, de caráter “positivo”. Mas, ao mesmo tempo, nessa linha começa o ultra-mundo, sendo, em consequência, transcendente. Todas as ciências particulares, por necessidade de sua economia interna, hoje se veem pressionadas contra essa linha de seus próprios problemas últimos, que são, ao mesmo tempo, os primeiros da grande ciência de Deus.”

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