Padre Natalino começou a homilia: “Caríssimos irmãos e irmãs, antes de entrar no assunto da liturgia de hoje, gostaria de contar a vocês uma pequena história. Teve início há algumas décadas, na periferia de Ribeirão, nas primeiras semanas do mês de abril, quando algumas amigas adolescentes decidiram fazer algo que quase sempre faziam em fins de semana: ir a baladas, curtir a vida, carpe diem.
Numa dessas noites de sábado, mais precisamente na madrugada do domingo, uma dessas meninas engravidou de um jovem que nunca tinha visto — e nunca mais veria. Nem se lembrava do seu rosto, pois estava muito bêbada.
Era uma adolescente sem recursos. A mãe, faxineira diarista, tinha sido abandonada pelo marido no início do casamento, depois de nascido o irmão mais novo (que vivia internado numa chácara de drogados, mantida por uma ong espanhola).
Como reagiu nossa jovem à gravidez? Aconselhada por uma conhecida que já tinha passado por aquilo, pensou em aborto. Chegou a procurar uma aborteira na Vila Virgínia, mas a velha tinha mudado de cidade. Naqueles dias, trazida por uma vizinha, uma senhora lhe bateu à porta, dizendo pertencer a um “movimento de ajuda humanitária” que costumava socorrer mulheres em situação parecida à sua, oferecendo a chance de um aborto seguro, médico eficiente e boas condições de pagamento. Mas era preciso paciência e esperar, pois havia uma pequena fila à frente.
Essa mulher passou a visitá-la com regularidade. Em vez de aborto, porém, falava do valor da vida humana e, sobretudo, nas vantagens da gestação para a saúde feminina. Enquanto isso, os dias iam passando e a fila do aborto andava.
Quando viu que já tinha ganho a confiança da mocinha, a senhora perguntou-lhe se, em vez de tirar o bebê, não pensava em dar uma chance de vida ao pequeno ser humano, suportando a gravidez e oferecendo-o depois para doação. Em troca, o tal movimento de ajuda humanitária estaria disposto a ajudá-la durante as trinta semanas seguintes: cestas básicas com alimentação adequada à gravidez, instruções para uso correto da assistência pré-natal oferecida pelo SUS, e, se houvesse necessidade, encaminhamento a um psicólogo.
Relutou, no início. Viu-se, contudo, cercada de tanta atenção pela “mulher do movimento” (era assim que a chamavam em casa), que acabou cedendo. Não custava abrir mão de sete meses de sua juventude, em nome de uma vida inocente que (segundo lhe garantia a “mulher do movimento”) era eterna. Uma vida que, no fim das contas, não tinha culpa alguma de ter sido criada e já fazer parte das coisas existentes. Um “pequeno ser humano”, como gostava de insistir aquela senhora, bem diferente dos outros seres que a cercavam, como a vira-lata Julie ou a velha bicicleta da mãe.
Nos meses seguintes, o tal “movimento” cumpriu à risca as promessas. As cestas de alimentação chegavam regularmente. Visitou o médico nas datas agendadas. Fez os exames necessários. Algumas tardes, depois da escola, frequentava o salão paroquial de uma igreja, onde junto com outras meninas grávidas aprendia a amar o pequeno ser humano que trazia no útero.
Se o ambiente familiar continuava com as dificuldades de sempre, tudo parecia correr bem entre a menina gestante e o fruto do seu ventre. Um canal de comunicação afetiva já tinha sido criado entre eles. Gravidez mais tranquila era impossível. E, quando soube que seria um garotinho, providenciou-lhe um nome provisório: Baby. Era assim que o chamava — Baby —, enquanto o tocava carinhosamente.
O parto estava previsto para início de janeiro. Problema: não conseguiu esperar até janeiro. Na última semana de dezembro, quando ela já estava firmemente determinada a não doar o seu bebê, foi internada às pressas na maternidade da Santa Casa e — para espanto do médico, da “mulher do movimento” (que era, simplesmente, o movimento Pró-Vida da Igreja) e de outros que acompanharam a gravidez — entregou a sua alma a Deus no instante mesmo em que o pequeno Baby viu a luz do mundo e chorou. Um chorinho de vida, sem nenhum acento fúnebre pela morte da mãe.
Caríssimos: só Deus sabe escrever certo por linhas tão tortas. Sabem que dia era aquele? Vinte e cinco de dezembro, como hoje. Sabem quem era o “pequeno ser humano” que já nascia órfão? Este padre que está falando com vocês. Não, por favor! Sem aplausos. Não estamos no auditório do Sílvio Santos. O único aniversariante digno de ser recordado, hoje, é o menino Jesus, mas não com palmas, e sim com os joelhos no chão. Foi Ele quem permitiu o milagre da minha vida, me entregou aos cuidados de sua Mãe Santíssima e, mais tarde, da Santa Mãe Igreja. Como veem, fui adotado por duas santas mães. Não posso me queixar de orfandade. E rezem, se puderem, pela alma de minha finada mãezinha carnal, que precisa muito.
Passemos, agora, à liturgia da palavra de hoje, neste santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
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