Don-Nicola-Bux

Há 50 anos, o novo missal promulgado pelo Papa São Paulo VI entrava em vigor. O que fazer? Comemorar ou questionar a situação da liturgia hoje? Perguntamos a Dom Nicola Bux, liturgista e teólogo, que dedicou muitas publicações às distorções da nova Missa, incluindo o bem-sucedido livro Como ir à missa e não perder a fé, pela editora Piemme. (Andrea Zambranno)

Andrea Zambranno: Dom Nicola, o sr. tinha 20 anos em 1969…

Dom Nicola Bux: Exatamente. Eu vivi essa reforma desde o início. Para nós, jovens da época, parecia uma coisa boa e pensei assim por muitos anos, colaborando tanto no nível diocesano quanto nacional com aqueles que eram os principais mestres da sua aplicação, como o abade beneditino Mariano Magrassi, que mais tarde se tornou arcebispo de Bari.

No que lhe parecia boa?

A ideia mais comum na época era que não devia ser uma revolução, mas uma forma de restauração — se me permite — do culto divino, a fim de tornar mais evidente essa necessidade do relacionamento do homem com Deus. Era o que estava na mente do pontífice, além das intenções maliciosas de vários inovadores: tornar ainda mais estreita a relação entre Deus e o homem.

No entanto, os resultados nos mostram uma grande indiferença pela Missa.

O que vemos hoje não era minimamente imaginável. Além disso, quando se cita Paulo VI com suas declarações alarmadas sobre as deformações da liturgia, estamos nos referindo a algo que ninguém poderia ter imaginado, a começar do próprio pontífice. Deve-se admitir que na época ninguém — ou quase ninguém — imaginava uma adulteração desse tipo na liturgia, que hoje passou de culto a Deus a culto ao homem.

Quando o sr. também percebeu que algo não ia bem?

A viravolta veio com a publicação do livro Relatório sobre a Fé de Ratzinger com Vittorio Messori. Também nós, liturgistas, percebemos que algo estava errado.

Era 1984.

Quinze anos após essa reforma, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé tentou fazer um balanço e o resultado não foi dos mais encorajadores.

Por quê?

Porque ele teve que reconhecer que a ideia de crise da Igreja, que estava surgindo então, estava intimamente ligada à crise da liturgia. De fato, existe uma relação muito estreita entre ser Igreja e manifestá-la através da oração e do culto. Ratzinger entendeu que algo havia desmoronado e, mais tarde, como Papa, disse que a crise da Igreja dependia, em boa partem, da ruína da liturgia.

O que o sr. quer dizer com  ruína da liturgia?

O declínio de uma liturgia que se torna uma auto-celebração do povo. Lembro-me do exemplo que levava a apoiar essa tese: uma dança vazia ao redor do bezerro que somos nós mesmos. Uma deformação clamorosa do culto.

Este é o diagnóstico. Mas de quem era a responsabilidade?

Não seria correto atribuir essa intenção a Paulo VI ou aos primeiros partidários da reforma, embora muita critica tenha sido feita aos chamados conselheiros de reforma, como os membros do famoso consilium. Devo admitir que o julgamento mais lapidar foi dado por Louis Bouyer, que passou de luterano a católico e participou do trabalho. Em seu famoso livro sobre a Eucaristia, ele pronunciou um julgamento muito severo, dizendo que, se antes da reforma a liturgia era um cadáver embalsamado, depois da reforma se tornara um cadáver em decomposição.

O sr. compartilha dessa visão?

É exagerada, mas certamente é verdade que as diretrizes do Concílio jamais teriam permitido os abusos e deformações que então se tornaram comuns. A situação ficou fora de controle porque, se compararmos a Constituição Litúrgica Sacrosantum Concilium com o que geralmente acontece, hoje, em nossas igrejas, fica claro que há diferenças em muitos pontos e ela foi traída.

O latim, o gregoriano…

Exatamente.

E a orientação do celebrante, não mais ad Deum, mas versus populum…

Ali não se fala sobre isso. O ponto crítico é que há um número infinito de diferenças entre o que é a Constituição Litúrgica e a aplicação concreta do novo missal.

E, no entanto, Paulo VI estava ciente dos ataques que sofria a liturgia da parte de certos círculos muito próximos aos protestantes…

É inevitável que haja responsabilidades, mas devemos sempre salvar a boa fé do pontífice. Eu acredito que muito disso dependia do trabalho realizado por Bugnini, que é o pai da Reforma. Mas é verdade que a Missa ficou tão longe da sensibilidade do papa, que ele lamentou quando descobriu, por exemplo, que a oitava de Corpus Domini havia sido abolida, assim como o Dies irae nas Missas de réquiem.

Paulo VI tentou reparar as distorções que viu?

Lembro-me de conversar com o monsenhor Virgilio Noè, que era o mestre de cerimônias do Papa e, em seguida, prefeito do Culto Divino e Cardeal. Ele me disse — e depois deixou escrito em suas memórias, recentemente publicadas — que as famosas palavras de Paulo VI sobre a fumaça de Satanás, pronunciadas em 1972, deveriam ser atribuídas às deformações da liturgia.

Como explicar tudo isso?

Nem tudo deve ser atribuído à reforma litúrgica, mas, como disse Ratzinger, a crise da dessacralização distorceu a liturgia e, portanto, todo o resto. No 40º aniversário da Sacrosantum Concilium, La Civiltà Cattolica, que é a revista dos jesuítas, escreveu que a Missa antiga era de ferro, e a nova é uma Missa de borracha…

Devido à facilidade de manipulação?

É evidente…

Falemos a verdade: o Missal atual se prestaria mais a essas distorções?

Veja bem, o problema é que hoje já estamos além do Missal, que não é mais considerado vinculante ou normativo, porque o próprio conceito do direito de Deus, na liturgia, entrou em crise, ou seja, Deus não tem nenhum direito de dizer de que maneira deve ser adorado. Mas se hoje chegamos, de modo inconsequente, a levar à igreja uma canoa com uma divindade como a Pachamama, sem que já ninguém se espante mais, significa que perdeu importância a própria ideia do culto a ser oferecido a Deus.

E a liturgia desaparece?

Obviamente! Por que respeitar as regras, se devo adaptar tudo às necessidades das pessoas? É claro que, aqui, não podemos deixar de atribuir uma enorme responsabilidade à viravolta antropológica de Karl Rahner, que tanto influenciou o povo católico. Rahner disse que, com a vinda de Cristo, o profano desapareceu e a distinção entre o sagrado e o profano não existia mais. Mas isso é falso.

Por quê?

Porque se fosse assim, não veríamos a opressão e a violência que estamos testemunhando.

Existe um remédio?

É ter a coragem de voltar ao sagrado: trazendo Deus de volta ao homem, celebrando a Missa como se Deus estivesse presente.

Isso não acontece?

Parece-lhe que sim, com todas as anomalias que estamos testemunhando, com igrejas se transformando em restaurantes e o Credo sendo modificado?

O sr. está dizendo que a reforma é necessária?

Sim. O papa Bento XVI estava certo.

Como é que Summorum Pontificum, que libera definitivamente a Missa Tridentina, se insere neste aniversário?

Como um remédio. Foi uma dádiva de Bento XVI. Mas não é um remédio qualquer, e sim um remédio que ele receitou depois de percorrer o mundo e perceber que, apesar de todas as deformações insuportáveis — são palavras dele —, a concepção correta do culto divino tenha resistido em mosteiros e comunidades; sobretudo entre os jovens, que entendiam que o chamado “rito” tridentino ou gregoriano dava frutos. Não era uma veleidade de nostálgicos, porque por definição os jovens não são nostálgicos.

Mas o Summorum pontificum, que codifica a Missa antiga como uma forma extraordinária do único rito romano, não toca nos problemas da nova Missa…

Ao contrário: na mentalidade profética de Bento XVI, a forma extraordinária não pode deixar de contagiar positivamente a ordinária, no sentido de recuperar uma devoção ou uma “ars celebrandi” (arte de celebrar) que respeite verdadeiramente o sagrado. De qualquer forma, trazendo a consciência de que a devoção deve ser expressa como uma atitude de constante adoração a Deus. Esta é a melhor maneira de contagiar positivamente a nova Missa, para que ela não se torne uma dança vazia ao redor de um ídolo.

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