barsotti

[O vaticanista Sandro Magister escreveu este artigo em 2005, um ano antes da morte do Padre Divo Barsotti. O site do Padre Paulo Ricardo publicou aqui uma bela e profunda meditação do padre italiano sobre “O mistério da nossa Ascensão”].

Padre Divo Barsotti, nascido em 1914 em Palaia, Toscana, é uma das figuras mais importantes e respeitadas do catolicismo italiano no século passado. Escreveu vários livros, especialmente meditações sobre a Bíblia e a liturgia. Fundou uma comunidade espiritual, a Comunidade dos Filhos de Deus, que inclui os mais diversos estados de vida: homens e mulheres que abraçam os votos monásticos, padres, casais com filhos. Hoje, a comunidade tem cerca de 2000 pessoas, na Itália e em vários outros países: Austrália, Colômbia, Croácia, Benin, Sri Lanka. O atual bispo de Monreale, na Sicília, pertence a ela: Dom Cataldo Naro, provável futuro arcebispo de Palermo.

Mas Pe. Barsotti foi e ainda é diretor espiritual de muitos católicos de diversas orientações, alguns dos quais muito influentes, tanto na Igreja quanto no mundo da cultura e da política. Por exemplo, Giorgio La Pira, prefeito de Florença nos anos cinquenta, cujo processo de beatificação está em andamento, pertencia secretamente à Comunidade dos Filhos de Deus. Mesmo Pe. Giuseppe Dossetti quis Barsotti como diretor espiritual, de 1952 até sua morte, em 1996.

Contudo, entre Dossetti e Barsotti as visões eram muitas vezes divergentes. Dossetti foi o arquétipo, na Itália, do catolicismo “conciliar”, um defensor de uma reforma radical da Igreja, que deveria passar de monárquica a colegial; pregava a rejeição do cristianismo “constantiniano” e o abandono da grande teologia medieval, em nome de um retorno aos padres dos primeiros séculos, especialmente orientais.

Tanto que, às vezes, o relacionamento entre os dois esteva prestes a se romper. No livro que a Comunidade dos Filhos de Deus publicou em comemoração aos 90 anos de seu fundador, lê-se que um dia Pe. Barsotti “ameaçou dissolver seus laços com Dossetti se não interrompesse sua ligação com Giuseppe Alberigo”, cuja proximidade era considerada pelo próprio Barsotti “um perigo”. Dossetti respondeu ao seu diretor espiritual com uma carta, reproduzida no livro, no qual escreveu: “Mesmo que o senhor queira se afastar de mim, não me separarei do senhor”. Alberigo, historiador da Igreja, ainda está à frente do Instituto de Ciências Religiosas de Bolonha, fundado por Dossetti.

A visão que Pe. Barsotti tinha do Concílio Vaticano II é relatada no livro publicado por sua comunidade:

“Desde a primeira sessão [do Concílio] vimos para onde as coisas estavam indo, com o arquivamento desdenhoso de todos os esquemas preparados. Além disso, os bispos disseram logo de início que não pretendiam condenar ninguém, o que significava, porém, renunciar ao seu serviço de mestres da fé, guardiães da revelação divina. Os bispos não devem substituir os teólogos, que têm outra função; o episcopado deve nos dizer em que devemos crer e o que devemos refutar. […] Como os bispos não colocaram em primeiro lugar sua função de aprovar ou condenar, os documentos do Vaticano II têm uma linguagem mais teológica do que doutrinária. De fato, por exemplo, em certas páginas do ‘Gaudium et Spes’, há um modo de pensar próprio de sociólogo e de jornalista. Além disso, nos documentos encontram-se três ou quatro teologias diferentes. Por exemplo: o primeiro documento [do Concílio], sobre liturgia, tem apenas uma visão mistérica; o último, que trata das relações entre a Igreja e o mundo, é marcado por um certo ‘theilardismo’. Ainda estamos esperando um gênio da teologia que saiba fazer a síntese dessas diferenças. Logo, o Vaticano II foi um erro? Não, certamente: a igreja precisava enfrentar a cultura do mundo, e o Espírito Santo impediu que o erro se infiltrasse nos documentos; mas mesmo que tudo seja justo, no Vaticano II, não se pode dizer que tudo ali seja oportuno”.

Barsotti também critica o diálogo entre religiões:

“Escrevi duas vezes ao papa que não vi favoravelmente o encontro inter-religioso de Assis, em outubro de 1986. Disse-lhe: ‘Santidade, não tenho televisão em casa, nem rádio, mas um dia depois da convenção de Assis, no jornal Avvenire vi na primeira página uma fotografia mostrando os católicos que veneram o Dalai Lama, como fazem com Vossa Santidade. Existe o risco de não haver mais nenhuma diferença: o Dalai Lama é como um papa para muitos crentes, e assim o povo não consegue mais sentir as diferenças, nem perceber o que é específico ao cristianismo’”.

Barsotti nunca escondeu a sua visão do estado atual da Igreja. Mas isso não o impede de gozar de um respeito universal.

Na verdade, ele é principalmente um grande homem espiritual, um místico, com lampejos sobrenaturais que, às vezes, brilhavam em sua vida cotidiana. É especialmente sensível ao misticismo oriental: Sérgio de Radonez, russo, é o santo que dá nome à casa onde ele vive, em Settignano, perto de Florença. (5/2/2005)

http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/22372.html

 

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