Quando olhamos para tudo o que acontece ao nosso redor, parece que os homens de hoje descobriram algo extraordinário que nunca haviam pensado antes, pelo menos de uma maneira tão lúcida e “inteligente”: eles não precisam mais ser ateus para poder fazer o que seus instintos e desejos sugerem no momento, tanto em termos de prazer quanto de poder.
Por outro lado, se “Deus está morto”, como disse Nietzsche (A gaia ciência, aforismo 125), que necessidade há de negá-lo ou até mesmo de combatê-lo? Não! Basta que se tornem seus “sucessores” e sentem em seu trono, assumindo o comando de tudo. Agora, eles parecem estar dizendo uns aos outros: nós temos o controle da situação, nós somos aqueles que fazem as “leis” que devem regular o nosso comportamento. Finalmente, é hora de mudar tudo, de derrubar as velhas regras “medievais” que nos escravizaram durante séculos e séculos.
O homem é o “sucessor” de Deus! Vamos começar a trabalhar para construir o “novo mundo”, o mundo 2.0, para usarmos o jargão do computador. Aquele mundo em que a igualdade reina sobre tudo e as diferenças são apenas aparentes e intercambiáveis: o “pensamento” é “único”, portanto não há discussões desnecessárias e diferenças de opinião; o “poder” é “único” (cultural, político, financeiro, maçônico, …), então não há nacionalismos e diferenças entre estados e governos, mas a “paz” reina em todo lugar; o “gênero” do indivíduo é “único” porque é intercambiável com a necessidade e as diferenças são apenas aparentes, para que todos possam ser o que quiserem ser, com um pouco de ajuda da química, da medicina, da eletrônica.
Nesta fase de transição entre o velho mundo 1.0 e o novo mundo 2.0, as “aparências” são fundamentais, porque servem para educar aqueles que ainda não conseguem captar a novidade que está sendo realizada. “Democracia” é uma aparência, porque o mundo 2.0 não precisa mais dela, mas serve para tornar a mudança de mentalidade mais lenta e menos cansativa aos retardatários. A “família” é uma aparência, mas é bom permanecer a ideia, o nome e a palavra para os retardatários, mas ampliando o conceito e esfumaçado a definição.
Quem quer que seja refratário à mudança, se encontrará automaticamente isolado, porque não poderá mais falar livremente com quase ninguém. E aqueles que não querem colaborar com o “novo rumo” devem ser privados de todo encargo importante, postos de lado, marginalizados sem muito pedido de desculpas e explicações, já que não poderão encontrar nenhum “tribunal” para ver seus direitos protegidos. Mesmo um tal “tribunal” já terá sido “domesticado”, graças aos homens do mundo 2.0 que assumiram o seu controle.
A mesma “evolução” do antigo sistema 1.0 para o novo sistema 2.0 pode e deve ser aplicada de forma útil também à religião, se ela quiser se tornar útil e compreensível no mundo 2.0. Até pouco tempo, pelo menos no nosso mundo 1.0, a verdadeira religião era o cristianismo, e no sentido mais pleno apenas o catolicismo, como a Igreja (a Igreja 1.0) sempre ensinou e praticou. O mundo 2.0 não precisa mais dela, porque o homem é o “sucessor” de Deus e os antigos “mandamentos” foram substituídos por aqueles outros estabelecidos pelo “pensamento único”, que são amplos e alcançáveis, ao alcance de todos, sem o ideal impraticável da santidade. Hoje, a nova santidade 2.0 se reduz ao compromisso político de realizar o “novo mundo”.
Eis, aqui, a grande descoberta em matéria de religião e Igreja, que o mundo 2.0 está proclamando em alta voz. Como o homem, ao se descobrir o “sucessor” de Deus, precisa construir o “novo mundo”, o mundo 2.0, então é preciso também construir uma “nova igreja”, uma igreja 2.0, e para isso precisamos de padres e bispos que sejam “sucessores” de Jesus Cristo ”. Não mais “sucessores de Pedro e os Apóstolos” (uma antiga concepção a ser superada), mas ser diretamente “sucessores de Jesus Cristo”. É indispensável poder substituir o antigo, e ultrapassado pela história, Evangelho 1.0, por um novo evangelho 2.0 (não posso escrevê-lo com a inicial maiúscula!), renová-lo completamente, tornando-o compreensível para o mundo 2.0. Para fazer os fiéis digerirem a operação, é suficiente ir mudando as coisas um pouco de cada vez, brincando com a ambigüidade do significado que se atribui a elas, usando slogans cativantes, alargando a malha das velhas regras, em vez de explicar as razões que as motivam, etc. etc.
Antigamente, na Romagna anticlerical, dizia-se que a religião era uma invenção dos sacerdotes. Esses profetas anticlericais do passado previram exatamente o que deve acontecer agora. Hoje, o “novo mundo” pede aos “sucessores de Jesus Cristo” que reinventem a Igreja, anunciando, precisamente, uma “nova igreja” (infelizmente, ainda com a minúscula inicial!). Em vez de ser “administradores fiéis” do depositum fidei, eles serão considerados os “donos” que podem fazê-lo e descartá-lo à vontade, de acordo com os ditames do “pensamento único”. Muitos, entre os fiéis, nem o notarão, eoutros até se regozijarão. Muitos entre os eclesiásticos seguirão a “caravana”, outros serão colaboradores ativos, outros sofrerão em silêncio; e aqueles que tentarem resistir por fidelidade à Igreja 1.0 (letra maiúscula), que é a de Cristo, serão expulsos sem explicação, sem mais nem menos, ou com hipócritas justificações de fachada, sem possibilidade de defesa. O destino que tocou nestes dias aos professores do Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, também “atualizado” para a nova versão 2.0, parece ser apenas o mais recente exemplo dessa forma de atuar com um estilo típico de “sucessores de Jesus Cristo”.
Quanto durará essa falsificação que o mundo 2.0 exige de uma igreja 2.0, esta apostasia que nos fazer ver roma (minúscula) abandonando Roma (maiúscula)? Tudo está nas mãos de Deus que, em seu tempo, restaurará a Verdade e a Justiça, deixando a obra de Satanás ruir por sua própria inconsistência final. O que é, de fato, a Misericórdia de Deus (a verdadeira e não a falsa, sem arrependimento ou conversão, hoje na moda) se não a “reparação”, oferecida aos homens que querem recebê-la, daquela “justiça original”(justa relação entre o Criador e a criatura) que eles infringiram em suas origens (“pecado original”), preferindo construir um mundo 2.0 — “reparação” que Cristo realizou com Sua Paixão, Morte e Ressurreição?
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