O catarismo era uma seita maniqueísta, que afirmava ser bom somente o espírito, criado por Deus, enquanto a matéria era essencialmente má, pois teria origem diabólica. Eram inimigos da propriedade privada e o corpo era visto como sórdida prisão da alma. Dividiam-se em duas categorias: os “perfeitos” e os “simples”.
Os verdadeiros cátaros, os “perfeitos”, consideravam o sexo uma coisa abominável e se retiravam do mundo, vivendo em pobreza e mortificação. Eram vegetarianos — não ingeriam comida animal, produzida sexualmente. Já os “simples”, que compunham a grande maioria, viviam sem maiores constrangimentos morais. Para serem salvos, bastava que, na hora da morte, recebessem o “consolamentum”, uma espécie de sacramento que apagava todos os pecados anteriores. Casamento e filhos deviam ser evitados, enquanto o aborto, o suicídio e a eutanásia eram práticas legítimas, pois favoreciam a libertação da alma.
A ameaça social do catarismo logo chamou a atenção da Igreja, que se apressou a combatê-lo. Inocêncio III, o grande Papa desse período, percebeu que o mal avançava devido à ignorância religiosa dos católicos e enviou missionários especialmente preparados às regiões mais impregnadas pela heresia.
São Domingos de Gusmão, contemporâneo de São Francisco de Assis, foi um dos protagonistas na batalha espiritual contra o catarismo (que exigiu, também, outras armas). Espanhol de família ilustre, teve sólida formação intelectual e era de uma lucidez admirável, imbatível na argumentação. Foi, ao mesmo tempo, profundo místico e homem de ação, um pregador como poucos em sua época. A ordem por ele fundada em 1215, os Irmãos Pregadores, seria mais tarde a célebre Ordem Dominicana. Em contraste com padres e bispos de então, vestiam-se com extrema simplicidade. Iam de aldeia em aldeia, esclarecendo os cristãos sobre as verdades católicas. Onde houvesse ameaça à fé, São Domingos para lá enviava seus pregadores, que conciliavam admiravelmente a vida de estudo e a pobreza evangélica.
Esses pregadores de aldeia logo conquistaram cátedras nas grandes universidades da Europa (era dominicano o maior pensador católico da Idade Média, Santo Tomás de Aquino, nascido alguns anos após a morte do grande São Domingos). Enfim, foi da luta contra a perigosa heresia cátara — atualíssima em muitos aspectos — que surgiu uma das ordens religiosas mais fecundas da Igreja Católica.
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