No último 31 de janeiro a Igreja comemorou São João Bosco, o padre que cuidou de jovens problemáticos e lutou sem medo contra os inimigos do cristianismo. Há um velho e famoso filme americano, um clássico dos anos 30, que vale a pena ver dentro desse espírito que animou o grande sacerdote italiano: Anjos de cara suja (de Michael Curtiz, o mesmo diretor do clássico Casablanca, com James Cagney, Pat O’Brien, Humphrey Bogart). Está no youtube, com legenda.
A história se ambienta nos anos 20, numa típica cidade grande americana. Os personagens centrais, Rocky Sullivan e Jerry Connelly, eram amigos de infância e adolescência, que viviam numa cidade de gângsteres e pareciam destinados ao mundo do crime.
Há uma cena do início que é decisiva para o enredo e para a compreensão dos caminhos opostos que os dois amigos trilharam. Rocky e Jerry tentaram roubar um vagão que transportava canetas. Os guardas chegaram e Rocky foi pego, enviado a um reformatório, a partir do qual teve início sua carreira na contravenção, tornando-se mafioso. Jerry, mais forte e veloz, conseguiu escapar da polícia; ao contrário do amigo, porém, pensou melhor e escolheu outra espécie de vida: foi para o seminário e se ordenou padre católico.
Muitos anos depois, Rocky foi preso por assalto à mão armada, condenado a três anos de prisão. Cumprida a sentença, voltou ao antigo bairro e visitou Jerry, já então padre. Os caminhos dos dois, no entanto, iriam separar-se cada vez mais: enquanto Rocky voltava à vida anterior do vício e do crime, padre Jerry mergulhou na missão especial de converter um grupo de jovens seduzidos pelos anti-heróis da máfia e, por fim, se engajaria numa cruzada anti-máfia que quase lhe custou a vida. Recusou uma grande quantia de dinheiro sujo oferecida pelo amigo, alegando que não podia aceitar: os fins, por mais elevados que fossem, não poderiam justificar meios torpes para a sua obtenção.
O clímax do filme é memorável. Condenado à cadeira elétrica, Rocky está decidido a morrer como viveu, afrontando os executores da lei e recusando a extrema-unção. Um anti-herói durante toda a vida e até na hora da morte. A sua valentia canalha seria bem explorada e registrada pela imprensa, alimentando na população (sobretudo no pequeno grupo de jovens de quem o padre cuidava) o respeito por aqueles inimigos da ordem e o sentimento de que o crime compensa.
O padre, contudo, nos últimos minutos de vida do amigo convenceu-o a morrer como covarde, o covarde que ele efetivamente não era: Rocky atirou-se dramaticamente aos pés dos algozes e implorou misericórdia, desconstruindo o próprio mito de homem durão e impiedoso. A covardia do bandido teve grande destaque dos jornais no dia seguinte, deixando os jovens do padre Jerry frustrados com o falso ídolo, que não tinha conseguido morrer como o “herói” que eles esperavam. Mas a “mentira” de Rocky funcionou: eles voltaram a freqüentar a paróquia do padre Jerry.
Rocky foi um fingidor? Humilhou-se em público, para toda a posteridade, somente para agradar ao amigo sacerdote? Ninguém pode garantir que o bandido não se tenha convertido realmente, naqueles segundos finais de vida, convencido de súbito da inutilidade da vida malévola. Essa possibilidade em aberto é um dos encantos, talvez o principal, desse velho filme de 1938.
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