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“Sois uma planta caminheira” (Gil Vicente)

A Bíblia está cheia de metáforas. Quando lemos, nas Sagradas Escrituras, as palavras luz, trevas, queda, pedra, videira, pão, fogo, reino etc., sabemos que elas significam outras coisas, além daquilo a que normalmente se referem na vida comum.

Uma dessas metáforas, muito rica em significação, é a do caminho, que já aparece no Velho Testamento, como no Salmo 24: “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada! Vossa verdade me oriente e me conduza, porque sois o Deus da minha salvação. O Senhor é piedade e retidão, e reconduz ao bom caminho os pecadores. Ele dirige os humildes na justiça, e aos pobres ele ensina o seu caminho. Verdade e amor são os caminhos do Senhor para quem guarda sua Aliança e seus preceitos.”

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A mesma ideia de caminho é retomada por Jesus, no Novo Testamento. No evangelho de São João (14, 5), Ele revela que na casa de seu Pai, para onde iria em breve, há muitas moradas; e haveria ali, também, um lugar para aqueles que o seguissem no caminho que indicou. O apóstolo Tomé pergunta, então: “Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho?” Disse-lhe Jesus: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.”

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Deus, portanto, se manifesta como caminho, que dá acesso à terra prometida, ao reino eterno onde o sol jamais se põe e o Pai tem a sua morada. Somos chamados a fazer parte desse reino sem trevas. Por enquanto, ainda estamos muito longe: no vale escuro da queda, onde nos atirou o pecado. Mas já sabemos qual é o caminho que pode nos reconduzir à “terra sem mal”. Esse caminho está iluminado pela palavra de Deus — os ensinamentos que Ele próprio revelou aos caminhantes.

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Na verdade, as Escrituras dizem que há dois caminhos: além do que leva à pátria da luz, há outro, que conduz ao reino das trevas. Um deles ruma para o alto, e tem muitos espinhos — parece um beco íngreme e sem atrativos. O outro, ao contrário, é muito bem pavimentado, mais fácil e cheio de belezas transitórias; uma descida fácil e permanente.

As duas filas de pessoas se cruzam a cada instante, pelos dois caminhos. Olham-se, estudam-se, param de vez em quando para rápidas conversas, quando procuram persuadir-se mutuamente da excelência do próprio caminho. E depois retomam a subida ou a descida: as que vão exaustas para o cume da montanha iluminada, e as que descem felizes para o vale das sombras.

No vaivém dos dois caminhos, há vários que trocam a pista alegre e de bom asfalto pelo chão mais duro e difícil, que vai indo cada vez mais alto. Há, também, muitos que desistem da árdua subida e trocam o beco íngreme e cansado pelo caminho mais bonito que desce logo ao lado, seduzidos pelo gosto de mel da descida fácil.

São dois os caminhos. Deus permite que as pessoas escolham com total liberdade, mas faz o possível para que optem pela subida difícil — aquela que leva ao cume da montanha banhada de Luz.