Que aconteceu exatamente quando Jesus disse na Última Ceia (e os sacerdotes esta manhã na Missa): “Isto é o meu corpo” sobre o pão, e “Este é o cálice do meu sangue” sobre o vinho?
Cremos que a substância do pão deixou de existir completa e totalmente, e que a substância do próprio Corpo de Cristo substituiu a substância do pão, que ficou aniquilada. Cremos também que Jesus, pelo seu poder onipotente como Deus, preservou as aparências do pão e do vinho, apesar do fato de as respectivas substâncias terem desaparecido.
Por “aparências” de pão e de vinho entendemos todas as formas externas e acidentais que de um modo ou de outro podem ser percebidas pelos sentidos da vista, do tato, do paladar, do ouvido e do olfato. A Sagrada Eucaristia ainda parece pão e vinho, ainda sabe e cheira a pão e vinho, ainda é sensível ao tato como pão e vinho, e, se a partíssemos ou derramássemos, soariam a pão e vinho. Inclusive se a submetêssemos a um exame microscópico, eletrônico ou radiológíco, só poderíamos perceber nela as qualidades do pão e do vinho.
Com efeito, a observação humana só pode obter a aparência externa de qualquer coisa. A sua configuração, a sua reação a determinadas circunstâncias, as leis físicas a que parece obedecer, são as únicas questões que a ciência pode investigar. Mas a substância de uma coisa, o que lhe está subjacente, a substância como substância, está fora do alcance dos sentidos e dos instrumentos humanos.
Hoje em dia, a ciência da física nuclear teoriza que toda matéria é uma forma de energia; que toda matéria se compõe de partículas em movimento, carregadas eletricamente. A diferença entre um pedaço de madeira e um pedaço de ferro é simplesmente a diferença entre o número, a velocidade e a direção das partículas carregadas eletricamente que compõem os dois materiais. Mas se o físico consegue fotografar com uma câmara eletrônica algumas dessas partículas, ainda continua manejando aparências. A substância como substância, aquilo que faz uma coisa ser o que é e não outra coisa, continua a estar fora do alcance dos cientistas.
Todo este tema da relação da “substância” (o que uma coisa é) com os “acidentes” (as qualidades perceptíveis de uma coisa) é uma questão filosófica, e não podemos estender-nos aqui na sua análise. Basta-nos saber, como sabemos, que, pelas palavras da consagração, a substância do corpo de Cristo substitui a substância do pão, e que a substância do sangue de Cristo substitui a substância do vinho, ao mesmo tempo que permanecem as aparências do pão e do vinho.
Evidentemente, é um milagre; um milagre contínuo, realizado centenas de milhares de vezes por dia pelo poder infinito de Deus. A bem dizer, é um duplo milagre: é o milagre da transformação do pão e do vinho em Jesus Cristo; e o milagre adicional pelo qual Deus mantém as aparências do pão e do vinho, ainda que a substância subjacente tenha desaparecido, como se o rosto de uma pessoa permanecesse num espelho depois de esta se ter retirado.
A mudança operada pelas palavras da consagração é de um tipo especial, e a Igreja teve de cunhar um termo especial para a designar: transubstanciação, que, literalmente, significa a passagem de uma substância para outra; neste caso, uma singular espécie de mudança.
Na vida ordinária, estamos acostumados a muitas espécies de mudanças. Às vezes, são mudanças apenas aparentes, como quando a água gela e se torna sólida, ou um pedaço de barro é modelado e se torna um vaso. Vemos também mudanças que afetam tanto a substância como os acidentes, como quando o vinho se transforma em vinagre, ou o carvão sob pressão se torna um diamante. Tem havido mudanças milagrosas deste gênero, como a que Jesus operou em Caná, mudando a água em vinho.
No entanto, em lugar nenhum da ordem natural e, pelo que conhecemos, também na ordem sobrenatural, se produzem mudanças semelhantes à que se opera no pão e no vinho pelas palavras da consagração; uma mudança de substância sem mudança de aparências. Por essa razão, a palavra “transubstanciação” se aplica exclusivamente a esse milagre quotidiano.
Ainda que, pelas palavras da consagração, o corpo de Jesus se torne presente sob as aparências do pão, e o seu sangue sob as aparências do vinho, sabemos que a Pessoa de Jesus, ressuscitado dentre os mortos, não pode ser dividida. Onde está o seu corpo, deve estar também o seu sangue; e onde estão o seu corpo e o seu sangue, devem estar também a sua alma e a sua natureza divina, a que estão unidos o seu corpo e o seu sangue. Do mesmo modo, onde está o sangue de Jesus, deve estar Jesus inteiro. Em conseqüência, pelas palavras “Isto é o meu corpo”, torna-se presente não só o corpo de Jesus, como também — pelo que os teólogos chamam “concomitância” , quer dizer, por força da sua unidade de Pessoa — o seu sangue, alma e divindade. O mesmo ocorre na consagração do vinho.
É por esta razão que não é necessário receber a Comunhão sob as duas espécies de pão e vinho, embora se possa fazê-lo nos casos previstos pelas normas litúrgicas. Se a recebemos sob qualquer das duas, seja pão, seja vinho, recebemos Jesus todo, completo e inteiro.
Jesus Cristo, todo e inteiro, está presente na Sagrada Eucaristia sob as aparências do pão e do vinho. Está presente simultaneamente em cada uma das hóstias consagradas de cada altar de todo o mundo e em cada cálice consagrado onde quer que se celebre a Santa Missa. Mais ainda, Jesus todo e inteiro está presente em cada partícula consagrada e em cada gota de vinho consagrado. Se a sagrada hóstia se divide — como o sacerdote faz durante a Missa —, Jesus está totalmente presente em cada uma das partes. Se caísse ao chão uma partícula da hóstia consagrada ou se derramasse uma gota do cálice, Jesus estaria presente todo e inteiro nessa partícula e nessa gota.
É por isso que os panos de altar têm que ser lavados com a máxima reverência, porque poderia haver, aderida a eles, uma partícula das Sagradas Espécies. Estes panos de altar compreendem o corporal, sobre o qual se coloca a patena com a hóstia e o cálice consagrados durante a Missa; a pala, o pano quadrado que cobre o cálice durante a Missa; e o sanguíneo, o pano com que o sacerdote enxuga os lábios depois de consumir o precioso Sangue e seca os dedos e o cálice depois de lavar o cálice com vinho e água, ou só com água.
Jesus, evidentemente, não deixa o seu lugar no céu, “à direita do Pai”, para se tornar presente na Sagrada Eucaristia. Permanece no céu e está no altar. Quem se faz presente sob as aparências do pão e do vinho é o corpo glorificado de Jesus, o seu corpo tal como está no céu.
Na Sagrada Eucaristia, Jesus está presente tal como é no tempo dessa presença. Na Última Ceia, por exemplo, foi o corpo “passível” de Jesus (quer dizer, ainda mortal) que se tornou presente quando pronunciou as palavras da consagração, pois ainda não tinha morrido. Se os Apóstolos tivessem celebrado Missa naquelas horas em que Jesus permaneceu no sepulcro, o que se teria tornado presente seria o seu corpo morto; sob as aparências do pão teria estado o seu corpo sem o sangue, e sob as aparências do vinho, o seu sangue sem o corpo, pois este estava empapando o solo do Calvário. Teria estado presente também a sua natureza divina, visto que corpo e sangue estão inseparavelmente unidos ao Filho; mas teria estado ausente a alma, que se achava no limbo.
A presença de Jesus na Eucaristia — sob dimensões tão pequenas e em tantos lugares ao mesmo tempo — parece suscitar duas aparentes dificuldades: 1. Como pode um corpo humano estar presente num espaço tão pequeno? 2. Como pode um corpo humano estar em vários lugares ao mesmo tempo?
Estas dificuldades, é claro, são apenas aparentes. Deus assim o fez; portanto, pode ser feito. Deve-se recordar que Deus é o autor da natureza, o amo e o senhor da Criação. As leis físicas do universo foram estabelecidas por Deus, e Ele pode suspender a sua ação se assim o quiser, sem que o seu poder infinito tenha que fazer nenhum esforço.
É verdade que, segundo a experiência humana, um corpo deve ter determinada “extensão”, isto é, deve ocupar determinado espaço. Segundo a nossa experiência, um corpo deve estar num só lugar de cada vez. A multilocação (estar em vários lugares ao mesmo tempo) é algo desconhecido para nós. Pode-se, pois, afirmar que um corpo sem extensão no espaço, ou que ocupe vários lugares ao mesmo tempo, é um impossível físico; isto é, impossível para as leis físicas. Mas estes fenômenos não são impossíveis metafisicamente; quer dizer, não há contradição inerente na idéia de um corpo sem extensão ou na idéia da multilocação. Uma contradição inerente os tornaria absolutamente impossíveis; estaria neste caso, por exemplo, a idéia de um círculo quadrado, que é uma contradição nos seus próprios termos.
Talvez isto nos arraste excessivamente para o campo da filosofia. Mas os pontos que nos interessa deixar claro são: primeiro, que Jesus não está presente na Eucaristia em miniatura. Está ali na plenitude da sua Pessoa glorificada, de uma maneira espiritualizada, sem extensão nem espaço. Não tem altura, largura ou espessura.
O segundo ponto é que Jesus não se multiplica: não passa a haver muitos Jesuses; também não se divide entre as diferentes hóstias. Há um só Jesus, completo e indiviso. A sua multilocação não é resultado de multiplicações ou divisões, mas da suspensão da lei do espaço relativamente ao seu sagrado corpo. É como se estivesse num lugar, e todas as partes do espaço fossem atraídas para Ele. É fácil ver a razão pela qual a Eucaristia é chamada — e é — o sacramento da unidade. Quando comungamos — nós e os nossos companheiros de comunhão do mundo inteiro —, estamos onde Ele está. O espaço se dissolveu para nós, e todos juntos somos um em Cristo.
Quanto tempo permanece Jesus na Sagrada Eucaristia? O tempo que permanecem as espécies do pão e do vinho. Se um fogo repentino destruísse as hóstias consagradas do sacrário, Jesus não se queimaria. As aparências do pão e do vinho se transformariam em cinzas, mas Jesus já não estaria lá. Quando, depois de comungarmos, o nosso processo digestivo destrói as aparências do pão, Jesus já não permanece corporalmente em nós; só fica a sua graça.
(Capítulo do livro A fé explicada, do padre jesuíta americano Leo Trese, p. 266-270. A obra foi publicada no Brasil pela editora Quadrante. Leo Trese — 1902-1070 — foi um dos padres mais lidos nos EUA, através de livros e artigos jornalísticos largamente difundidos pelo país, graças ao humor e à simplicidade com que expunha os aspectos mais complexos da doutrina católica).
muito interessante e didático!
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